A coerência do discurso

Estamos já habituados a ouvir os mesmos chavões vindos da esquerda portuguesa.

E de uma certa forma esses chavões estavam adaptados à realidade. A economia numa descida vertiginosa e o desemprego galopante permitiam que se fizesse a associação entre a austeridade e a descida aos infernos.

E não há muitas dúvidas que foi precisamente essa austeridade que provocou essa descida.
Mas o que a esquerda sempre negou foi a necessidade dessa austeridade e o possível que ela iria ter a médio prazo.
O país teve de passar por um período de adaptação a uma nova realidade. As familias passaram de gastar a poupar, as empresas que ficaram focaram-se noutros mercados e as que se foram, muitas das quais sem qualquer base de sustentação numa economia menos consumista acabaram por regular, de forma dolorosa é certo, aquilo que precisava de correção há muitos anos.

Apesar ter havido ao longo de dois anos algumas declarações que apontavam para uma inversão da tendência em 2013, as forças de esquerda sempre comentaram essas declarações de forma jocosa e beligerante. Mais não faziam do que repetir o chavão anti austeridade. Até o próprio PS que pela mão de Mário Soares serviu doses maciças de austeridade ao povo português se insurgia periodicamente contra aquilo que ele classificava uma violência. Violência que pela sua mão tivemos de suportar duas vezes.


O problema que se põe à Esquerda são os números agora confirmados pelo INE para o crescimento económico e para a descida do desemprego.
E a esquerda não tem ainda um discurso pronto para reagir a este tipo de situação que contradiz de forma clara todos os seus vaticínios de desgraça.

Pela mão do Bloco ensaia-se o mérito do Tribunal Constitucional no chumbo das medidas do Orçamento de 2013. Dizendo que foi a procura interna que fez subir a Economia, esquece-se que a reposição do subsídio só será feita no fim do ano. A menos que as pessoas estejam a consumir contando com esse dinheiro a tese não colhe. è simplesmente falsa. Mas até o próprio PCP contradiz o BE.

O PCP diz que em vez de estarmos a descer 6 degraus de cada vez, estamos a descer 4.
O PCP diz que o consumo interno continua a cair (contradizendo frontalmente o que diz o Bloco) e que o consumo público também.
O problema no raciocínio do PCP é a dimensão da redução da queda. O investimento passou de uma variação negativa de 15,9% para 2,3% e isto é a todos os títulos um sinal de fundo da curva. O mesmo se pode dizer relativamente ao desemprego já que esse efectivamente baixou neste príodo.
Quanto ao crescimento do PIB, ou melhor ao abrandamento da sua queda, é uma excelente notícia. Se a tendência se mantiver estaremos dentro das previsões orçamentais ou acima das previsões orçamentais. E isso é uma excelente notícia porque significa que a necessidade de reforçar as medidas de austeridade seja diminuta.

O PS diz apenas que é preciso terminar com a política de austeridade. Fazendo uso da sua habitual imaginação diz apenas isto ignorando olimpicamente que se não fosse essa austeridade a troyka não teria "entregado os cheques" que tanta falta nos vêm fazendo depois do estado em que os governos de Sócrates deixaram as contas do país. Negar a necessidade dessas medidas pela simples constatação de que sem elas não teria chegado a ajuda externa é ser no mínimo estúpido.

O que eu gostava que acontecesse era ver s partidos algo contentes por perceber que o sofrimento do povo português pode ter chegado a um ponto de viragem. E que isso pode significar mais esperança e melhor vida para aqueles a quem tanto mal vem acontecendo.

Mas a política é uma coisa podre e o povo importa para as forças políticas na medida em que lhes pode dar mais poder. Porque isso é a única coisa que interessa. O poder. E para isso perante sinais positivos distorce-se e manipula-se uma realidade que as pessoas começam a sentir. E com isso vem o optimismo que pode fazer o país sair do buraco.

Num momento em que estamos á beira de eleições autárquicas isso é o que a Esquerda menos deseja. Porque estes fenómenos são incontroláveis. Como irá reagir a população a sinais de optimismo ainda que cauteloso? Será que esse efeito se vai multiplicar e causar ainda mais impeto na recuperação?

É provável que isto signifique uma derrota menos pesada para o PSD nas autárquicas e que os níveis do PSD nas sondagens comecem a subir.
Percebeu-se isso com a crise Passos/Portas e percebe-se agora ainda mais. Vendo isto até apetece perguntar se a carta de Vitor Gaspar não reflectiria já isto e tal como ele escreveu preferia sair e ver uma nova cara associada a este novo ciclo (que está referido na carta de demissão de Vitor Gaspar).

Maus tempos se avizinham para estas forças de esquerda, esmagadas pela realidade e sem discurso coerente completamente desligado da realidade.

Porque será que tantos lhes custa dizer que são sinais positivos mas tímidos e pouco estáveis? Porque são isso mesmo. O próprio governo o fez e pediu cautela na sua apreciação.

Mas é-lhes impossível reconhecer mérito noutros que não sejam eles. Tudo o que os outros fazem é errado e tudo o que eles fazem está certo.
É caso para perguntar se o que eles aplaudiam como bom para os regimes de Leste é de alguma forma "o que está certo".