As avaliações "isentas"

É curioso observar a quantidade de portugueses que centram as suas críticas aos professores numa suposta recusa a ser avaliados.
Isto vem na sequência das campanhas muito bem sucedidas do Governo de fazer passar ideias que sustentem depois medidas restritivas e justificativas de penalizações de classes profissionais.
Isto já aconteceu com os Magistrados (lembram-se?) em que se deixou passar o "mal entendido" de que os mesmos teriam 3 meses de férias e não teriam de prestar contas a ninguém.
Obviamente que quem está por dentro do sistema sabe que nem uma coisa nem a outra são verdade e não o são há muitos anos.

Com os professores passa-se mais ou menos a mesma coisa.
Mas o que é curioso é que a maior parte dos que bradam pela avaliação não são certamente avaliados, nem fazem a mínima ideia do que pode significar um sistema "isento" como o que se pretende para uma classe profissional como esta.
Se, tal como eu passam por avaliações anuais e revisões semestrais de desempenho e continuam a defender esse sistema, então ou estão do lado dos que beneficiam ou andam distraídos.

Não me surpreende nada que estas avaliações sejam uma palhaçada pegada. Há quase 20 anos que vivo nesse sistema "de mérito" e apesar de não me poder queixar do ponto onde cheguei, sei até que ponto podem ser uma palhaçada. Apesar de não haver motivações politicas, existem episódios absolutamente ridículos e que desvirtuam totalmente a suposta qualidade e isenção das avaliações.

As quotas
Quando se entra numa empresa em que existem estas ditas avaliações (as virtudes do privado, lembram-se?) temos sempre uma conversinha em que alguém dos recursos humanos nos diz como tudo funciona bem, e como os nossos resultados de desempenho podem dar direito a uma carreira brilhante no mundo corporativo.
Mas a verdade é que nem todos podem ser bons. E como tal, antes de se constatar quantos são bons ou não (e isso só se veria no fim a harmonizar todas as avaliações) definem-se quotas para os vários níveis.
O que acontece é que quando se chega à hora de harmonizar as avaliações dadas por diversos chefes, a coisa acaba num debate sobre que chefe tem mais poder de colocar as suas pessoas nos níveis que pretende. Isto depende do "peso" do chefe, da simpatia do mesmo pelo avaliado etc etc.
Assim, ano após ano vi colegas a ter a sua classificação alterada para pior, porque um outro foi defendido melhor pela sua chefia porque esta tinha mais poder de pressão ou porque simplesmente estava nas boas graças de quem tinha a palavra final da classificação.
Como dizia o ditado, mais vale cair em graça do que ser engraçado.

Na verdade o sistema (e já estive em 3 empresas em que existe essa avaliação) depende muito pouco do desempenho mas sim da forma como se aldraba melhor ou pior.
Para vos dar um exemplo:
No inicio do ano estabelecem-se objectivos que depois serão revistos a meio do ano para alterar ou colocar novos objectivos. No fim do ano o avaliado dá a sua opinião e o chefe dá a opinião dele.

Pois já me aconteceu ser avaliado por objectivos que não tive no inicio do ano, "comentei" o meu desempenho no final do ano e tive a classificação sem nunca me ter passado nada pela frente e sem ter tido qualquer conversa com o responsável.
Quando sabemos que estas coisas afectam os aumentos e outros benefícios, a subida de nível ou a possibilidade de candidatura a uma carreira, está-se mesmo a ver o lindo sistema que é implementado.

O tempo perdido a preencher formulários de objectivos, a justificar o injustificável e a interminável sequência de wokflows e passos de aprovação para uma coisa que é na maior parte das vezes completamente inútil, é a antítese daquilo que se pretende - produtividade.

Produtividade essa que é numa percentagem elevadíssima responsabilidade dos "gestores" que em vez de se focarem no objectivo (fazer trabalho em quantidade e em qualidade) passam a vida a tentar proteger a sua posição, espalhando culpas deles e ficando com os sucessos de outros.

Pensava eu que as multinacionais americanas funcionavam bem fora de Portugal.
Mas descobri verdadeiros incompetentes com excelentes avaliações, que me entraram pela porta dentro, pelo que penso que o sistema não é mais que um reflexo de até que ponto é falível o ser humano. O que avalia e o que é avaliado.

Se isto é assim no sector privado (e vão 3 empresas com este sistema) imagino no sector público. Um sistema em que há os amigos e os da mesma cor partidária e a subversão do sistema por questões orçamentais etc etc. Em suma, uma verdadeira palhaçada.

Quando comecei a ouvir falar na avaliação de desempenho no funcionalismo público pensei imediatamente:
Ora aqui está um sistema (que não funciona no sector privado mas que se convencionou que funciona) que saiu de uma qualquer cabecinha que confunde estado com uma empresa e que não vai ser mais que uma forma de fazer bater certo o dinheiro disponível para os aumentos com aquilo que miraculosamente vão ser as classificações no fim de um ano.

O mais curioso é que esta treta neo liberal e "muito" capitalista vem das cabeças Socialistas que nos governam.
Isto segundo eles é uma reforma, ou pelo menos uma parte importante da mesma.
Só que no 1º ano a avaliação não dá direito nem a aumentos nem a progressão de carreiras (porque não há dinheiro) e no 2º vai ser uma outra coisa qualquer.

Vivendo num sistema assim, rapidamente vai haver gente que sabe o que precisa fazer para ter uma boa avaliação. Ser bom, não faz parte dessa estratégia. O que faz parte da estratégia é a forma de "dar a volta" ao sistema.
Pode ser pela cor partidária, pela simpatia pessoal, pelas relações de amizade (ou outras) extra laborais etc etc.

No fim vamos ficar com um sistema injusto, fácil de ludibriar e mais uma coisa a precisar de reforma de cada vez que houver um governo novo.


Mudar tudo para ficar tudo na mesma