Mais cego é o que não quer ver

Diz o povo e é bem verdade.

O português é perito em estados de negação. Vai desde as afirmações de deputados de esquerda que dizem que há dinheiro , até ao mais comum cidadão que acha que basta reduzir os salários dos políticos para resolver tudo.

Curiosamente é muitas vezes o mesmo cidadão que não soube fazer as contas aos empréstimos que contraía ao ponto de chegar a situações de insolvência familiar. Quando o processo avança chega a tribunal a tentar manter a Sport TV, os 2 carros e os telemóveis das crianças....

Parece que ninguém percebeu que o país vivia numa realidade paralela há anos. Que se andava a estafar dinheiro com fins eleitoralistas enriquecendo empresas e amigos do regime.

Tudo isto estaria muito bem se Portugal pudesse contrair mais dívida indefinidamente. O problema sério começou com o aumento brutal das taxas de juro. E ao entrar um salvador na cena (FEEF) ele exigiu que nada ficasse como estava.
É exactamente o que acontece a uma família que está insolvente e tem de pagar aos seus credores apertando o cinto. E não o faz passando a consumir produtos de marca branca em vez de produtos de marca. É preciso cortar a sério.

O que hoje se discute à volta das medidas para 2012 são coisas absolutamente patéticas em face da dimensão do buraco nacional. 1% de deficit é algo de monumental em termos de milhões de Euros e esse dinheiro é preciso JÁ.

Qualquer alteração estrutural no Estado vai levar anos. Os maus hábitos estão completamente enquistados, os gestores ganham muito mais do que qualquer funcionário público e estão por demais habituados durante anos a estafar o que não é deles nem nunca foi.
Receberam prémios de gestão em empresas totalmente falidas, nunca se coibiram de renovar os seus automóveis cada 3 ou 4 anos nem nunca se coibiram de apresentar facturas de despesas de "representação".

Até o Estado começar a ser eficiente e contido nos gastos vai levar 3 ou 4 anos no mínimo.
Mas até lá a ajuda vem em tranches. E para cada tranche há uma check list que o FEEF faz questão de verificar se foi cumprida. A meta do deficit de 2012 e de 2013 são draconianas e o Governo vai ter de se arranjar para as cumprir.

Vamos empobrecer? Seguramente. Vamos regredir anos. Anos esses que nunca devíamos ter avançado porque isso foi feito de forma completamente fictícia e irreal. O país tinha o sonho de se aproximar da média Europeia e fê-lo (mesmo assim sem grande sucesso) de forma completamente fraudulenta, como em muitas outras áreas.

São por demais conhecidos os casos de manipulação estatística na Educação ou mesmo da Justiça em que para reduzir pendências se retiravam processos da alçada dos tribunais. Eles continuavam a existir mas não se viam.
Estas foram decisões políticas. Muitas das vezes, ou sempre, contra a opinião dos agentes da educação e da justiça.
Uma directiva ministerial maquilhava os números para parecermos bem na fotografia.
Assim se chocaram muitos com as declarações de Nuno Crato. Pois eu não, já que sempre achei as Novas Oportunidades uma verdadeira fraude e uma injustiça para aqueles que fizeram a sua formação ao longo de anos de dedicação e estudo. Fosse feito um exame aos detentores desses belos diplomas e veríamos até que ponto a actividade de certificar conhecimento neste país passou a ser um negócio de produção de papeis sem significado.

Muitas destas distorções são ainda um resultado de um período pós 25 de Abril.
O caso do mercado de arrendamento é paradigmático.
Logo a  seguir congelaram-se as rendas porque os senhorios eram uns fascistas e os inquilinos uns nobres revolucionários sem propriedade.
Por causa disto cada casa arrendada de novo apresentava rendas altíssimas para compensar essa impossibilidade de actualização. Mesmo quando passou a ser possível actualizar, as rendas mais antigas (dezenas de escudos) ficaram mais ou menos na mesma.
De tal forma ficou a situação que as casas mais velhas a precisar de obras não dão sequer rendimento para pagar os impostos que são cobrados. Nesta cenário e com a chegada do Euro e do crédito barato dado quase sem critério, passou a ser mais barato comprar do que arrendar. E por aí se seguiu até se ter uma percentagem de propriedade própria acima de qualquer país europeu.
A troika deu com isto imediatamente. E não é preciso ser um génio para o ver. Hoje muitos dos proprietários ficam sem a casa e mantêm dívida. Na verdade, a ilusão da propriedade não era mais que uma ilusão. Comprou-se caro e mau. Um percalço na vida e perde-se a casa. Os bancos têm casas que não sabem o que lhes vão fazer e os construtores que surfaram nesta onda de loucura estão hoje em pânico porque não vendem nenhuma casa. E pedem ajuda... ao Estado. Mas ao contrário do que se passa em países onde as regras do mercado funcionam, aqui os construtores têm o atrevimento de pedir por uma casa o que pediam há 5 anos e ainda têm a distinta lata de dizer que vai subir!!!
Agora acusam a banca, que está a braços com milhares de casas reapossadas para vender, de concorrência desleal. Dizem que a banca está a vendar a preço de saldo.
Do ponto de vista da "indústria" da construção, existe um "direito adquirido" de vender pelo preço que lhe dá na cabeça sem atender a pequenos detalhes como sejam o excesso de oferta ou a falta de crédito.
Não soubéssemos nós o que esteve na génese destas empresas e pensar-se-ia que esta gente vive sob o efeito de substâncias que alteram a percepção da realidade.

A desertificação do interior é outro caso perfeitamente previsível com as políticas seguidas desde 1985.
Para se entrar na CEE negociou-se a pura e simples destruição da nossa agricultura e pescas. O que ficava era insuficiente para as nossas necessidades e os negociadores sabiam disso.
A nossa dependência alimentar do estrangeiro era óbvia. Alguns dos poucos que ficavam aceitavam o subsidio, muitas das vezes dado com a sementeira, e nem sequer se preocupavam em colher. Já tinham o dinheiro e não iam gastar mais ara apanhar o belo do girassol. A desculpa é que para a próxima campanha a terra ficava melhor... Durante anos se viram searas de girassol a secar até caírem por terra sem ninguém as apanhar.
Muita da mão de obra da agricultura saiu desses sítios. Fomentou-se o terciário. Viver de margem sobre o trabalho dos outros.
Cavaco declarou a construção civil como a indústria nacional mais importante. A agricultura e as pescas eram coisas de país subdesenvolvido. Coisa que segundo ele já não éramos.

Como grande parte da fixação de populações dependia do sector primário, essas populações tentaram encontrar trabalho noutros sítios. Onde? Nas grandes cidades.
Temos hoje centenas de milhares de hectares por cultivar. E ninguém o vai fazer porque custa mais produzir cá do que importar da UE. Só que para importar é preciso dinheiro para pagar. E isso não temos.
Assim em 25 anos, destruiu-se todo um sector e criou-se um nó górdio impossível de desatar.

As cidades do interior perdem população. Mas ao mesmo tempo deu-se-lhes auto estradas a custo 0. Que agora se lhes cobra. Só que se cobra a cada vez menos gente porque há cada vez menos gente nesses sítios.

Obviamente que isto é nem mais nem menos do que um colapso económico a toda a força. O país não tem dinheiro e há uma cadeia de dívida que começa no indivíduo e acaba no país.
Com tudo isto há juros de dívida para pagar acrescidos do valor de empréstimos que vão vencendo.

O Estado está falido. Tem de fazer isto com os 78 mil milhões do FEEF. E tem de o fazer como eles mandam ou então chegará um mês em que não só não há subsídios, como também não há salários sequer. Para ninguém.
Neste cenário de loucura, ainda há os que acham que o Estado devia evitar a recessão. Como? Investimento público? Mais estradas? Hospitais? Como?

Se é tão chocante capitalizar a banca para ela poder emprestar ao sector produtivo, como é que o país sai desta?

Na realidade as exportações não cobrem nem de perto as importações e este desnível é gravíssimo e constante. E é assim há dezenas de anos.

Esta situação é pavorosa. Retirar os subsídios ao funcionalismo público é chocante. Vai-me afectar verdadeiramente. É claro para mim que em 2012 as férias serão passadas em casa e que há gastos regulares que serão cortados para perfazer de alguma forma o rendimento que não vou ter. Comecei já, mal foi feito o anúncio.
Pode ser ser que consiga aguentar o embate mas se não conseguir não vai ser por falta de tentativa.

Nunca tive a mentalidade de comprar já e ir pagando. Compro quando posso. Como eu há muita gente que não se ouve e que não se vê que faz exactamente o mesmo. Faz menos espalhafato, tem um carrito pior com mais anos mas não vive ao sabor das flutuações das taxas de juro.
Aquilo que nos parece aberrante (ficar sem os dois subsídios) é algo que a um americano parece perfeitamente normal. Ainda me lembro da cara deles quando dizia que me pagavam um mês de férias e ainda me davam mais um salário. Ficavam totalmente desconcertados. tal como os Gregos parecemos náufragos a lutar pelo colete salva vidas mais bonito. E chamamos-lhes direitos adquiridos. Quanto a adquiridos não tenho dúvida, mas quanto a direitos tenho as minhas sérias suspeitas de que não o são.

Passos Coelho está numa posição completamente odiosa. E sabia disso quando se candidatou. Avisou que iriam haver muitos sacrifícios a fazer mas ao que parece ninguém lhe ligou.

Hoje vemos gente a dizer que o programa do governo não está a ser respeitado quase à maneira dos miúdos que dizem "tá dito, tá dito".
Pouco lhes importa a velocidade e frequência a que foram aparecendo os buracos nestes últimos 4 meses. Pouco lhes importa que aquilo que parecia ser a realidade há 4 meses atrás não seja nada do que é hoje.
Não foi esta a estratégia de Sócrates desde o dia em que chegou ao Governo? Nessa altura pareceu importar a poucos. E aqueles que o disseram foram chamados de irrealistas e gente do contra.

Dizia um dia destes um jornalista que nunca uma oposição soube tão ao detalhe o estado das finanças antes de assumir o poder. Ah sim? A dívida às construtoras? às farmacêuticas? Os buracos no sector dos transportes? O buraco da Parque Escolar? Querem convencer-me que o governo de Sócrates alguma vez tornou este imenso buraco visível para a oposição e para a sociedade em geral? Tenham paciência meus amigos. Tudo isto estava escondido debaixo de "engenharias financeiras" e veio à superfície tudo de uma vez.
Se assim não fosse não havia razão para o ênfase que se deu a esses casos recentes quando eles apareceram. Não houve jornal que não desse eco o caso da Madeira ou dos casos das empresas de transportes.
E tudo isto só veio à tona, porque a boyada já não tem forma de evitar que isto se saiba. Mesmo assim ainda há muito súcia incompetente que se mantém entrincheirado boicotando até ao limite toda a qualquer tentativa deste Governo.

Mas o que me parece verdadeiramente nojento é que estes mesmos que apontam hoje o dedo a PPC se tenham já esquecido de onde vem tudo isto. Que se tenham esquecido dos negócios ruinosos com PPP's ou de falta total de supervisão do Governo Regional ou do encobrimento do buraco do BPN que teve lugar ainda no ano passado. Onde estavam eles? Provavelmente a comparar com vantagem a habilidade política de Sócrates vs PPC.

Hoje a imprensa entretém-se a dissertar acerca da personalidade do Ministro da Economia ou das Finanças em vez de meter as mãozinhas ao trabalho para tentar perceber o que se passou realmente com o polvo nestes 6 anos passados. Seria o seu dever e o seu objectivo. Aí sim prestariam um serviço ao país.