O sorvedouro público

Passos Coelho defendeu ontem a extinção das empresas do sector estado que dão prejuízo.

Creio que no meio desta cruzada anti desperdício pode estar a levar as coisas longe demais. Está a deitar o bebé fora com a água do banho.

Mas hoje foi daqueles dias em que li e ouvi algumas coisas sensatas.
Não sei se quem as disse o fez de forma sincera e verdadeira, mas não deixam de ser sensatas e bem mais pensadas do que Passos Coelho afirmou ontem.

Miguel Macedo do PSD exige uma clarificação do governo relativamente à fusão ou extinção de organismo governamentais que foram anunciados no PEC II e que não terão passado do papel.

É, por acaso, o que a esmagadora maioria dos portugueses exige. Estes governos do PS multiplicaram o número de instituições "empresariais" do Estado de forma absolutamente descontrolada. O poder local, sequioso de se "parecer" com estes grandes decisores juntou-lhes uma quantidade enorme de empresas municipais.
A maior parte delas não faz qualquer sentido, uma vez que esses serviços já eram assegurados por serviços das autarquias e mais não foram do que formas de criar lugares de administração para uma quantidade enorme de gestores medíocres que assim poderiam contornar as regras da contratação de funcionários do estado e evitar as limitações salariais e de benefícios a que estes estão sujeitos.
Duma penada, pioraram-se serviços e criaram-se custos absolutamente injustificados quer a nível Nacional quer a nível autárquico.

Muitas destas instituições nada fazem limitando-se a receber as verbas estatais e a adjudicar contratos fora das regras de concursos públicos de forma muitas das vezes extremamente duvidosa.
Não é raro existir uma teia de interesses à volta destas instituições que mais não fazem do que usar estes estratagemas para beneficiar empresas amigas que têm um pé na administração pública, subcontratando estas a seguir as outras que não têm um pé lá dentro mas que detêm o know how.

Isto é prática corrente há muitos anos por todo o país e não há assim tão pouca gente a beneficiar destes estratagemas. Claro que perante este tipo de interesse a cadeia de "incentivos" existe de forma absolutamente descarada debaixo do nariz de todos.

A extinção destas empresas ou a sua fusão significa em quase todos os casos que o grupo dos que beneficiam com estes esquemas se encurte de forma sensível. A quantidade de gente que vive de ser um go between entre o Estado e as empresas é enorme e com muito pouca vontade de perder esta forma de rendimento (totalmente livre de impostos).

Romper com este estado de coisas afecta muitos bolsos. Nenhum deles está disposto a aceitar isso de bom grado.

Mas o PSD peca por fundamentalista. A coisa não pode ser tão simples como extinguir as empresas estatais que dêm prejuízo. Algumas delas nem empresas se deviam chamar para não haver confusão com o objectivo último de uma empresa - o lucro.
Não faz qualquer sentido que certos serviços sejam lucrativos. A saúde é um desses casos. A educação é outro. O tratamento de àguas devia cobrir os custos, tal como a recolha de lixos ou os transportes públicos.
Uma parte desses custos deviam ser pagos com as tarifas desses serviços e outra parte com o orçamento do Estado. Se houvesse lucro num ano, as tarifas deveriam ser ajustadas de forma a reflectir isso para os utentes.
É inexplicável o nível de lucro da EDP ou da GALP por exemplo. Sabendo nós até que ponto o custo da energia e dos combustíveis está desfasado dos nossos vizinhos espanhóis. Estas empresas monopolistas apresentam lucros fabulosos anualmente. Tanto, que se permitem absorver nos seus quadros incompetentes bem pagos como o ex-presidente da Cãmara do Porto, Fernando Gomes.

As Águas de Portugal desbarataram milhões em tentativas de internacionalização nas mãos do competentíssimo Mário Lino. A "empresa" das Águas de Portugal a internacionalizar-se para o Brasil? Desde quando é que as águas são uma "empresa" e não um SERVIÇO? Os milhões que torraram nessas tentativas patéticas quanto teria significado em melhorias na rede ou em abaixamento de tarifas?

Existe ainda a questão de colocar empresas únicas no sector nas mãos de privados (ou grandes fatias das mesmas) como é o caso da Galp. Conciliar o interesse de accionistas com o interesse dos consumidores é uma quimera. Em caso de dúvida beneficiam-se os .... accionistas.

Para se alienar parte de uma empresa pública desta forma a concorrência deve existir.
Abram a concorrência no mercado de electricidade doméstica e verão o que acontece ao valor das tarifas. Porque não o fazem?

No mínimo é preciso deixar a concorrência funcionar. O exemplo das telecomunicações e o esmagamento de preços é o perfeito exemplo disso. Lembram-se das tarifas telefónicas quando era só a PT?

Custa-me muito a perceber como certos serviços, como é o caso da RTP, podem justificar o seu deficit crónico. A RTP compete no mercado da publicidade, tem uma programação eminentemente "pimba" sem qualquer valor cultural. Perdeu completamente a vocação de serviço público e mesmo assim é um sorvedouro de dinheiro público que se dá ao luxo de pagar principescamente a gestores incompetentes ano após ano.

Vendo bem, a RTP tal como ela é não faz sentido existir. As televisões privadas não são deficitárias assim (se fossem já tinham fechado portas). Certo é que apresentam conteúdos tão miseráveis como a RTP mas eles precisam de audiências para sustentar o seu ganha pão (a publicidade). A RTP a competir com as mesmas armas e com a mesma má qualidade perde milhões por ano? Valerá a pena continuar assim? Eu acho que não faz qualquer sentido.

A TAP. Não tenho muita dúvida que os prejuízos da TAP não acontecem apenas para suportar as rotas para as regiões autónomas. A TAP tenta competir com empresas de estrutura muito mais leve e muito melhor geridas. A Easy Jet, Ryan Air, Vueling e outras não dão hipótese à TAP no preço para muitos destinos. A TAP sustenta prejuízos crónicos e uma estrutura anquilosada e desadequada às necessidades dum país da nossa dimensão. Está cronicamente no vermelho. O seu gestor de topo é dos homens mais bem pagos do país. A sua estratégia de viabilização passa quase sempre por spin offs de serviços que depois se revelam catastróficos. O handling foi um desses casos. O próprio spin off dá prejuízo, Mesmo cortando nos benefícios dos trabalhadores o planeamento e a gestão são de péssima qualidade.

Precisamos mesmo duma TAP? Com a excepção dos voos para as regiões autónomas, se ficássemos sem TAP a quantos destinos chegávamos na mesma? A todos.

Neste aspecto Paulo Portas foi muito menos radical que o PSD. As empresas que são deficitárias não são todas do mesmo tipo e da mesma importância. Não basta chegar e fechar tudo o que dá prejuízo. Se assim fosse deixaríamos de ter comboios, barcos no rio Tejo, hospitais, escolas e outros serviços fundamentais.
Talvez acabar com aquelas que nunca deveriam ter sido empresas, recolocando os seus funcionários nor organismos estatais que lutam com falta de profissionais e pondo os "administradores" a andar é provavelmente a coisa mais importante que se devia fazer. Só com esse tipo de abordagem o Estado pouparia milhões por ano.
Se começarmos com estas ideias parvas de fechar tudo o que é serviço público que dê prejuizo acabamos como o PS fez com a SCUTS. A ter ainda mais prejuízo para que os privados possam oferecer esses serviços com uma margem de lucro garantida e risco zero.

Alto lá com esta ideia peregrina de que o estado não deve estar em certos sectores da economia. Há alguns serviços que são, mais que uma obrigação, a razão de ser do Estado. E sem eles não faz qualquer sentido um Estado existir.