Colhemos o que semeamos

Duas notícias aparentemente sem relação chamaram-me a atenção durante esta semana.

O BCP vai por a venda 411 imóveis penhorados a preço de saldo e as crianças com fome nas escolas têm aumentado significativamente.

A verdade é que estamos a viver agora de forma condensada aquilo que nos recusamos a viver durante 20 anos.
Pagou-se a crédito um nível de vida que não se podia sustentar.
A loucura por compra de casa, incentivada pelo juro baixo e pela competição fraticida entre bancos, levou a que muita gente se colocasse numa situação tal que se alguma pequena coisa acontecesse a desgraça era imediata.
Comprometia-se uma percentagem elevadíssima do rendimento mensal, ao qual se juntava ainda o carro as férias e toda uma série de artigos de consumo pelas quais não se conseguia esperar.

Claro está, a banca agradeceu e deu cartões de crédito em supermercados, e fez anúncios de uma vida sofisticada com todos os sonhos realizados. E muitos não conseguiram resistir a ter uma vida de ricos de forma imediata. Havia gestores pessoais, portofolios em bolsa, investimentos nos mercados globais etc etc.

Quando por fim a economia começa a entrar em recessão, as empresas começam a cortar nos custos. São as horas  extraordinárias, os prémios e bónus e os aumentos que são cortados. Isto quando não é o próprio posto de trabalho que está em causa. E muitas famílias, mesmo sem perder o emprego veêm-se numa situação de não conseguirem pagar os seus compromissos. Começa pelos condomínios, pelas telecomunicações, pela TV por cabo.
Quando começa a ser mais sério é o carro, o crédito da TV LED e finalmente a casa. Com salários penhorados e sem nada que possa fazer, ficam sem casa e com uma dívida monstra para pagar.

Dizem agora que a culpa é dos bancos. Sem dúvida que é. Eles jogaram na apetência que as pessoas têm pela boa vida. Mas a verdade é que eles apontam ao mercado dos trouxas e esses sabemos que nascem à razão de 1 por minuto.
No meio de tudo isto há filhos em idade escolar, que vêm as suas hipóteses de um futuro melhor ser comprometidas pelos disparates cometidos pelos pais. A ideia de que se podia ter tudo, alimentada por pais irresponsáveis, cai por terra. E isso custa muitíssimo a crianças mal habituadas e que sempre viveram com um determinado nível.

As coisas ainda vão piorar antes de melhorarem. Se pensarmos a quantidade de gente que comprou casa e que provavelmente só teria capacidade para a arrendar é enorme. A carga fiscal sobre a propriedade, as despesas de manutenção e de áreas comuns é insuportável para muita desta gente. Mais vão declarar insolvência e mais casos dramáticos vão acontecer.

Mas será que a culpa é só da banca voraz e sem escrúpulos? Não me parece. No fim de contas as pessoas assinaram contratos sem ler. Convenceram-se que no pior dos casos ficavam sem casa e sem dívida. Partiam para outra, alugavam e estavam livres de problemas.
Mal informados, deslumbrados e num estado de alienação total desbarataram o que não tinham e vão pagar as consequências duma má decisão provavelmente até ao fim dos seus dias.

Avisei mais que um dos perigos de querer dar um passo maior que a perna. Num dos casos foi alguém que optou por uma casa mais cara só porque a mensalidade não era assim tão mais alta. Má decisão.
Quando o adverti tive de ouvir palavras ofensivas. Eu estava a insinuar que ele não "vivia bem".
Depois ouvi-o queixar-se da corja de ladrões que queriam o seu dinheiro. O condomínio, o Estado com o IMI, a Câmara com a conservação de esgotos.

A seguir um créditozinho para a carrinha Audi A4 Sport. Não foi a normal, foi a Sport que custava uma pipa de massa a mais por ter o volantezinho desportivo um logotipo vermelho não sei aonde e jantes de 18 polegadas. Cujos pneus custavam uma fortuna. Sim, é verdade, também tive de ouvir sobre o exorbitante preço de cada pneu para jante 18...

Hoje voltou para casa dos sogros, que felizmente tinham aonde alojar mais 3 pessoas, mas continua a pagar o que falta de empréstimo da casa depois da reavaliação da mesma. E nessa reavaliação, surpresa surpresa, a casa valia mais ou menos metade do que ele pagou por ela. Em 7 anos descobriu que o construtor o enganou com o preço exorbitante que pagou pela casa. Casa essa que já tinha findo a garantia e precisava de incontáveis arranjos. O Audi já foi há algum tempo e há uma penhora sobre uma parte do salário.
O filho já está numa escola pública.
Acabaram-se as férias em Punta Cana, e os fins de semana de glamour em SPA's. Game over.

Da última vez que o vi, tive de aturar o discurso dos bancos ladrões e da ladroagem que enriqueceu à custa dele.

O que estes tolos não entendem e não aceitam é que se tivessem sido minimamente prudentes hoje estariam bem melhor. Tinham criado uma almofada de poupança e tinham as suas despesas fixas num nível muito mais baixo.
Podia por o dedo na ferida e lembrar-lhe a conversa acerca da "sua capacidade de endividamento". Mas não o fiz. Ofereci a minha ajuda para algo que fosse preciso. O orgulho irá impedi-lo de pedir. Afinal, foi esse orgulho e a ânsia de mostrar que se era tão bom ou melhor que os outros que o meteu (com a mulher e o filho) na enrascada em que está metido.

Como ele há muitos. Bradam contra aqueles que são ricos ou não estão a passar dificuldades como se eles fossem os culpados da sua situação. Nunca me preocupei com o facto de um vizinho ter um carro melhor ou de alguém conhecido estar melhor na vida. Óptimo para eles e boa sorte.
A competição por mostrar que se é aquilo que na realidade não se consegue ser, meteu milhares de famílias num poço sem fundo. Sem esperança e sem alternativas.

A culpa é de quem? Em última análise é dos próprios. Os bancos nada mais fizeram do que aproveitar-se desta debilidade, que muitos têm, em seu próprio proveito convencendo os tolos de que os estavam a "ajudar". E na verdade se o tivessem feito com moderação isso até seria verdade.

Mas a assinatura no papelinho que o banco lhes pôs na mesa foi a deles. E quanto a isso a realidade é muito dura: eles são os responsáveis.