Eu sabia que não era o único a notar

José António Saraiva escreve no Sol em 19 de Novembro em 4257 caracteres aquilo que é um breve resumo da corrente actividade jornalística.

Nós os jornalistas

Esperava que fosse mais ou menos óbvio para todos. Mas não é.
Há até casos em que as pessoas percebem a forma como a informação é tendenciosa e não conseguem ter o distanciamento e a isenção de o reconhecer.

São conhecidos casos de distorção grosseira das palavras de políticos. Elas são colocadas em titulos de jornal com o mais completo despudor. A velha máxima de que uma mentira repetida muitas vezes acaba por se tornar verdade é talvez o primeiro parágrafo da cartilha do jornalista actual.

Perdeu-se a ética. O espírito de missão. Da nobre missão de informar. Hoje cada jornalista é em potencial (e até muito mais que isso) alguém que usa o acesso aos media para passar a sua própria visão do mundo, a sua opinião. A factualidade passou para segundo plano.

Faz lembrar aqueles relatos de bola em que estamos a ouvir o rádio e a ver o jogo ao mesmo tempo. O relato faz-nos imaginar uma realidade bem diferente daquilo que os nossos olhos estão a ver.

Mas mesmo com imagens é fácil cortar e editar a ponto de fazer parecer as coisas bem diferentes daquilo que são. Lembro-me do caso de Manuela Ferreira Leite que dizia a propósito da actuação do governo de Sócrates que ele queria fazer as coisas de qualquer maneira e sem dar atenção a opiniões e à oposição. Rematou dizendo ironicamente que talvez fosse melhor suspender a democracia por 6 meses para fazer as coisas assim.
O discurso com o contexto correcto só foi mostrado uma vez ou duas. A repetição da ultima frase de Ferreira Leite foi exaustiva a ponto de hoje haver gente neste país que sabe bem o contexto em que foi proferida que se atreve a dizer que ela defendia a suspensão da democracia por 6 meses. Os outros repetem a frase porque os primeiros a dizem. No fim haverá muito pouca gente que conhece o contexto e a história toda.
A maior parte não quer saber dessas minudências. Desde que sirva para ilustrar as suas convicções pessoais até serve dizer que o Papa é judeu e comunista. Como não há-de a política ser suja quando os que não são políticos discutem de forma suja, falsa e ignorante a maior parte das questões.

O cuidado de não dizer algo que seja deturpado, cortado e invertido domina o nosso discurso político. De tal forma que o discurso político é uma conversa "redonda" e vazia da qual raramente se pode extrair algo de significativo.

O caso que JAS aponta das declarações de Ulrich é o extremo. Ao ponto de um jornalista afecto ao PCP ter a falta de cuidado de comentar o excerto (e estar de acordo com ele) sem perceber que o contexto é exactamente o contrário.

Não é raro ter jornalistas e políticos a comentar sound bytes. Coisas de que não sabem a proveniência nem o rigor. Tornámo-nos num país de comentadores gratuitos com uma agenda pessoal a defender.
O triste é que o último reduto da seriedade e da factualidade é agora a proa do movimento de desinformação e propaganda pessoal. O meio jornalístico

A imprensa estranha a queda de vendas. Os canais de TV tentam conquistar audiências à custa de novelitas e bola. A maior parte dos que ouvem notícias fazem-no por que calha mesmo na hora do jantar.

A credibilidade da informação atingiu níveis historicamente baixos.
Não é preciso muito para ver até que ponto jornais como o Expresso ou o Público se tornaram tribunas de jornalistas individuais com uma visão pessoal do mundo e dos factos.
O poder discricionário de colocar ou não uma notícia, ou de alterar subtilmente um título para conseguir um efeito dá-lhes esta capacidade.
A única coisa que o leitor ou o espectador pode fazer é não consumir. Recusar-se a fazê-lo. Numa economia de mercado um jornal sem credibilidade deve ir à falência. Fechar portas. Finito.

O Público vai por esse caminho. O Expresso se seguirá. Não adianta passar dias a falar do novo site. É apenas a mesma trampa com uma roupagem diferente. O conteúdo não muda. Vai estar apenas "arranjado" de forma diferente.

Talvez os jornalistas devessem perceber que a profissão traz como poucas a responsabilidade de ser o mais fiel e equidistante aos factos quanto possível. Por isso há um código deontológico a seguir. É como se de repente tivéssemos nos tribunais os juizes a fazer tábua rasa da lei e da prova e a decidir e a fazer sentenças ao sabor dos seus caprichos.
Curiosamente essa é uma das ideias que a imprensa gosta de passar ao público. Amplificar o "mau" estado da justiça é quase uma missão para um jornalista que se preze. O que é verdadeiramente triste é que em vez de tentarem saber um pouco mais do assunto fazem-no ao mesmo nivel que o homem da rua que é incapaz de interpretar uma simples norma legal.

A crise do jornalismo não é de hoje e só vai piorar. Muitos dos que hoje chegam aos jornais são da geração em que acham que estamos interessados na sua opinião pessoal. Confundem informar com dar opiniões.
E, como dizia o outro, as opiniões são como o olho do cú. Todos têm e normalmente não cheira bem.

O que eu escrevo aqui é também isso, uma opinião. Mas eu não a vendo como sendo a verdade ou os factos. É mesmo uma opinião não disfarçada ou camuflada de informação.
A imprensa escrita e visual tornou-se num mega blogue com colaboradores de duvidosa ética e cultura.