Olha que dois

Depois da entrevista de Passos à TVI a SIC Notícias convidou dois comentadores.
E quem haviam eles de ser? Clara Ferreira Alves e Miguel Sousa Tavares.

Apesar de antecipar com apreensão a náusea que se avizinhava, decidi ouvir. Ouvir mais do que ver, porque pensei que no momento em que visse aquelas duas caras mudava de canal.

Clara Ferreira Alves não desaponta. E não desaponta na medida em que devia limitar-se a falar do que sabe. Seja lá o que for que ela sabe. Mas o que certamente não sabe é ser minimamente isenta e objectiva naquilo que diz.
Não me surpreende quando se sabe a forma como ela se tem desenvencilhado na vida, recebendo lugares à direita e à esquerda. Flutua como aquilo que vocês sabem.

Achei extraordinários dois dos aspectos que ela escolheu para realçar.

Passos disse que esta era uma oportunidade ("aproveitar a desgraça que aconteceu ao país") para resolver os problemas.
Mas CFA está mais preocupada com a forma. "Aproveitar a desgraça", citação que ela repetiu com um sorriso jocoso como que a querer dizer "aproveitar-se com a desgraça".


 E Passos tem toda a razão. Não há maneira de fazer o que quer que seja neste país a menos que enfrentemos uma calamidade de proporções bíblicas.

Aquilo que se devia ter feito e que estava amplamente diagnosticado durante dezenas de anos nunca se fez. Todos berravam pelas reformas exageradas em troca de tempo de serviço insignificante, mas nunca ninguém fez nada contra isso.
Nunca se reduziu o gasto do Estado por forma a adequá-lo ao que os contribuintes pagam. Sempre se fez ao contrário. Gastava-se por conta e depois aumentavam-se os impostos para dourar os números dum exercício orçamental.
Esta é de facto uma oportunidade para fazer aquilo que tem mesmo de ser feito. Reduzindo os absurdos gastos em ineficiência. Se de acordo com os numeros da nossa economia entre 2000 e 2010 a nossa productividade é de 32% por oposição aos mais de 80% dos países ricos e eficientes da Europa, então há um terço de nós a trabalhar para os outros 2 terços não fazerem nenhum.
Não é muito difícil identificar esses casos. Estão por todo o lado. São o resultado de 30 anos de diagnósticos sem se mexer uma palha para resolver o problema.

O aspecto que mais me deixa fascinado na argumentação de CFA é o da legitimidade.
Segundo ela o Governo não tem legitimidade para fazer o que faz. O que me faz colocar esta pergunta: E os governos anteriores tinham legitimidade para criar dívida como o fizeram? Sem perguntar a ninguém ou sequer informar que o iam fazer? Revelando-nos no limite que estávamos falidos?
Notem que mesmo sendo um governo minoritário Sócrates entre 2009 e 2011 esmagou de forma absurda o poder de compra dos portugueses. Em diferido iria fazê-lo ainda mais. Estamos a sentir iso agora.
A questão da legitimidade é completamente pífia. É uma perversão total da democracia. Curiosamente não me lembro de esta argumentação ter sido alguma vez usada com os governos de Sócrates. De repente uma maioria que elege um governo deixa de o legitimar porque terá mudado de opinião. Como se sabe? Sondagens...
Sugiro que deixe da haver eleições. Uma sondagem chega. Entrevistam 1000 pessoas e decidem o destino do país. Poupa-se uma pipa de massa em eleições e ficam todos estes comentadores de trazer por casa muito contentes.
Nem precisamos de AR. A cada decreto governamental faz-se uma sondagem. Pergunta-se a 1000 pessoas e decide-se tudo.

Sousa Tavares não foi tão mau como esperava. Ainda consegue perceber que todas estas "alternativas" sugeridas pela esquerda enfermam de um mal: Não há dinheiro. E a esquerda só sabe resolver os problemas com dinheiro. O dos outros, seja por empréstimo seja por roubo.

Ouvi até Sousa Tavares dizer que muitos portugueses tinham consciência que iam passar por isto (!!!). Mais, disse até que os portugueses tinham de enfiar na cabeça que não era possível viver com dinheiro que não se tem. Porque no limite os emprestadores se cansaram de emprestar dinheiro a Portugal.
É talvez o primeiro que ouço dizer, ou pelo menos insinuar, que afinal os portugueses não foram todos enganados. E de repente reabilitou também Santos Pereira. Por oposição à redução ao ridículo que fez de Gaspar.

Não é que as opiniões destas pessoas sejam especialmente relevantes. Sobretudo não o são a partir do momento em que sabemos os ódios de estimação que têm pelo governo e partidos no poder. O que é triste é que seja sempre este tipo de comentadores que é trazido à antena. Se há um parvo que está mortinho por dizer mal do governo aí está um jornalista solícito a por-lhe um microfone nas mãos.

Depois de uma entrevista em que Passos Coelho foi claro (de tal forma que Sousa Tavares confirma que nada de novo foi dito) é caso para perguntar então o que haverá para comentar? O que é que um comentário pode trazer de novo a uma entrevista que não diz nada de novo?

Só uma coisa. Dar mais uma oportunidade para falar da legitimidade do governo, dos IVA dos restaurantes, da miséria etc etc. E já nem se traz um alinhado com o governo e outro com a oposição. Para quê? Trazem-se dois "teoricamente" independentes cuja única carreira desde há uns anos para cá passou por lamber o rabo de Sócrates e por desancar sem dó nem piedade tudo o que este governo faça.