Da tolerância

Eu fico fascinado com a forma como os dois extremos do espectro político se comportam perante aquilo a que chamamos as questões fracturantes.

Foi ontem aprovada na AR a lei da co adopção por casais do mesmo sexo.

E o que é que isto quer dizer?

Bem quer dizer simplesmente que num casal em que um dos membros tenha uma criança ou adoptado uma criança, o outro membro pode adoptá-la também desde que tenha 25 anos e que a criança não tenha outro vinculo parental.

Isto pelo menos evita que num caso de uma mãe divorciada com filhos à guarda que viva em união de facto ou esteja casada com outra mulher possa ver, por morte, os filhos adoptados pela companheira que acabaria a repartir a guarda com o pai biológico. Ao menos a lei evita este tipo de bizarrias.

Destina-se a evitar que em casos em que por morte do membro do casal com a paternidade da criança, por adopção, a criança possa ser devolvida a uma família biológica que não conhece ou que volte a uma instituição.

O que esta lei vem evitar é que nesta situação se tenha de iniciar um novo processo de adopção por parte do cônjuge sobrevivente.
A lei que hoje existe já concede a adopção a pessoas sózinhas ou solteiras desde que tenham meios de garantir o bem estar da criança. É um processo longo, como na maior parte dos casos, mas acontece.

Normalmente a adopção é um processo complicado.
Primeiro há que perceber as motivações de quem quer adoptar. Porquê? É uma família estável? Tem condições para receber uma criança na família?
Temos depois a escolha da criança. Na maior parte dos casos querem uma criança saudável, muito jovem e pasme-se , muitas vezes que seja parecida com um dos pais....
Por isso as crianças de maior idade, com doenças ou não caucasianas vão ficando nas instituições até se fazerem adultos. E acrescente-se, muitas das instituições fazem um excelente trabalho.
Mas passadas estas barreiras ainda há que verificar se a criança se adapta. Se estiver numa idade em que tem algum autonomia é verificado se a criança se dá bem com os futuros pais adoptivos. Se os aceita, se se comporta como se fosse a sua família etc etc.

As razões que levam as pessoas a querer adoptar são do mais diverso. Mas há uma primeira razão que é a impossibilidade de ter filhos biológicos. Esta é talvez a razão principal pela qual os casais querem adoptar.
Existem depois aqueles casos, raros, em que uma família que pode ter filhos e já os tem, adopta uma criança. São raros e são muito louváveis. Devem lembrar-se do caso Obikwelo. Foi adoptado já com 16 ou 17 anos por uma família que hoje se orgulha dele como nos orgulhamos de um filho. E de um filho que representou o nosso país no mais alto escalão desportivo. Ele tinha potencial aos 16 anos, mas foi a família portuguesa que tudo fez para que ele recuperasse de uma grave lesão e tudo fez pra que ele tivesse uma carreira desportiva como teve.

Como dizia, já existe a possibilidade de uma pessoa sózinha poder adoptar uma criança. E consegue-o, obviamente passando pelo crivo terrível que é um processo destes.
Essa pessoa pode viver numa relação homossexual e acaba para todos os efeitos a levar a criança para o seio de uma "família". Só que o cônjuge não terá qualquer direito de parentalidade sobre o menor.
No caso de o adoptante morrer a criança ficaria orfã. Se fosse menor as coisas ficariam verdadeiramente complicadas.
Esta lei visa evitar este problema. Apenas isso.

Mas é brandida como uma conquista da comunidade gay e deitada abaixo pelos que são contra a adopção de crianças por casais gay.

O que me chateia de verdade é que quando alguém expressa a sua opinião e diz que é contrário à adopção de crianças por parte de casais gay, a esquerda, sempre tolerante, cai-lhes em cima de formas muito pouco tolerantes. Vão desde o simples chamar-lhes "homófobos" até outros tipos de "delicadezas" muito pouco consistentes com a tolerância.

Eu acho que numa coisa deste tipo há o dever de passar a palavra à população. Um referendo é mesmo a melhor hipótese. É a única forma de perceber se a sociedade está preparada para aceitar este tipo de legislação.
Senão o que acontece é que uma minoria "iluminada" de deputados decide uma coisa e a sociedade at large comporta-se da mesma forma de sempre. Não é por acaso que uma estatística publicada ontem dizia que uma percentagem elevadíssima de gays são discriminados em Portugal.
Com esta lei vai acontecer o mesmo.
A aceitação de um estilo de vida "alternativo", por falta de melhor termo, não se impõe por decreto a uma sociedade. Não se espere que este tipo de coisas seja bem aceite numa cidade do interior oou numa população de uma determinada faixa etária. Não entra no esquema mental de valores de muita gente e nem vai entrar. Não se obriga ninguém a ser tolerante por decreto. Isso é mesmo a perversão completa da tolerância.

O que a nossa classe política não compreende é que não pode dizer que representa a sociedade que a elege e depois tomar decisões de "consciência" que não representam de todo a sociedade. Ou pelo menos correr sequer o risco de não representar.

Foi assim com o aborto que só 10 anos depois da 1ª rejeição em referendo é que foi aprovada. A sociedade leva muito tempo a pensar de outra forma.

O correcto nesta situação teria sido um referendo. E um referendo para o casamento gay em ABSOLUTA igualdade de direitos com o casamento heterossexual. Nâo era uma lei do casamento de meias tintas sem adopção. Devolvia-se a decisão à sociedade para o bem e para o mal.

Esta lei é um caso especial de adopção. Mais uma forma de remendar uma lei anterior mal e porcamente feita e resultado de se querer impor a uma sociedade aquilo que ela pode não estar preparada para aceitar. Portanto faz-se uma lei do casamento a 50%, dando igualdade nas questões patrimoniais e deixando de fora coisas como a parentalidade.

Eu gostaria de ver a esquerda bradar por um referendo nesta caso. Mas não o faz. E não o faz porque ainda se julga a vanguarda iluminada das massas. E que tem de decidir coisas que as "massas" não têm capacidade para decidir.

Por isso têm tanta dificuldade em aceitar que alguns estejam contra. E partem quase imediatamente para o insulto quando alguém tem uma opinião diferente. Chamam-lhes retrógrados, fascistas, homófobos e outros piropos da mesma lavra.
Por uma razão qualquer que eu desconheço, acham-se mais capacitados para perceber o que uma criança quer ou o que é certo para ela. Como se fossem uns iluminados por um poder superior que sabem que estão certos enquanto todos os outros são ignorantes ou movidos por uma fobia.

A esquerda é classicamente muito intolerante. Sobretudo para quem não concorda com os seus pontos de vista. E isso acontece com os que deviam ser mais cuidadosos com isto. Depois passa para a sociedade de forma extremada. Basta ver o grau de imbecilidade de muitos dos comentaristas pró adopção. Que nem sabem exactamente o que a lei diz. Mas que insultam imediatamente quem é contra ou expressa reservas quanto à lei.

A família dissolve-se.
Mesmo a tradicional está a perder a capacidade de educar jovens que possam ser válidos numa sociedade em mudança. Muitos nem têm condições materiais para ter filhos. Outros educam (ou não educam) cidadãos imprestáveis e mostram repetidamente à sociedade a sua incapacidade como pais.
Estas "pequenas" coisas são vistas por muitos como uma machadada irreversível no conceito de família - pai, mãe, filhos. E esse é o conceito de família natural. A menos que comecem a fazer crianças em tubos de ensaio vai ter de ser assim que as crianças aparecem. As "outras" famílias só podem mesmo encontrar crianças para adoptar que tenham sido o resultado de qualquer coisa natural. Não o resultado de uma família, porque senão a criança não estaria entregue à sua sorte, mas de uma relação entre um homem e uma mulher.
É preferível que uma criança seja adoptada por um casal homossexual do que ficar numa instituição? Na maior parte das vezes sim. Mas nos casos em que não for, espero que a avaliação do dito casal seja feita com o mesmo rigor com que é feita para os casais hetereossexuais.
Não seria muito correcto não o fazer só por uma questão estatística.

No fim de tudo isto vai acabar por ser como a lei do casamento. Muito espalhafato e muito poucos resultados. Só quero ver é o que acontece com um caso de regulação de poder paternal em que a criança não seja filha biológica de nenhum dos membros do casal.

Mais uma linha cruzada. Mas preferia que tivesse sido a MAIORIA da população a dizer que o queria fazer e não uma série de deputados com "consciência" para a qual me estou borrifando. Se é uma questão de consciência pessoal então o voto de um deles vale tanto como o meu e o referendo era a única forma correcta de o fazer. A democracia não tem um interruptor que se desliga quando convém