Os especialistas e os media, ou os especialistas nos media, ou outra trampa qualquer

Vamos um dia destes andar a discutir a falta de coordenação entre os lenços e as gravatas do elenco ministerial.

Há um parvo qualquer numa redação que se lembra de levantar uma lebre. Convoca "especialistas" e prontamente temos uma horda de académicos prontos a desancar tudo e todos do alto dos seus pomposos títulos.

Aparentemente as regras de acessibilidade para cidadãos com deficiência não são cumpridos no novo portal do governo.  Algumas das falhas são verdadeiramente notáveis.
Entre as falhas encontradas pelos especialistas ouvidos pelo PÚBLICO, estão vídeos sem legendas e sem um texto explicativo, pouco contraste de cores, uma navegação impraticável para quem só usa o teclado e a ausência de identificação das línguas (o português e o inglês), dificultando a tarefa dos leitores de ecrã usados por quem tem problemas de visão.
O conteúdo não é completamente inacessível senão em casos pontuais, mas está apresentado de uma forma que torna pouco prática a leitura por parte de cidadãos com necessidades especiais”, explica Bruno Figueiredo, director da empresa Ideias e Imagens, que faz consultoria nesta área. “Os principais cidadãos afectados são os invisuais, pessoas com deficiências auditivas e pessoas com deficiências motoras nos membros superiores”.
Há vídeos não legendados, as cores contrastam pouco e não se consegue só navegar com teclado. Aborrecido, de acordo, e provavelmente de fácil resolução. Tal como é de fácil resolução a correção de algumas falhas no site da Ideias e Imagens que se resume a 5 páginas. E que numa delas não é possível perceber se o botão de Enviar Mensagem está seleccionado ou não. São 5 páginas meus caros. Nem sequer é um site dinâmico. HTML puro e duro que se pode escrever em Notepad.
De uma empresa de consultoria...
Mas há mais... Um professor da Universidade de Trás os Montes levanta a questão da não existência de um Mapa do Site.
Pois é sr. Dr. O site da Universidade onde Vexa lecciona também não tem. A não ser que por mapa do site entenda Mapa do Campus (i.e. Site Físico). Eu diria que sendo um especialista na matéria já deverá ter usado o site da sua ilustre Universidade e poderia ter sugerido as boas práticas no mesmo. Assim a título de exemplo.

O líder do Departamento de Usabilidade e Qualidade do portal Sapo, Ivo Gomes, também tem qualquer coisa a dizer.
(...) faz uma avaliação negativa e enumera problemas. Um deles é a navegação com o teclado, tarefa “quase impossível”. Quem navega só com as teclas normalmente percorre os links de forma sequencial até ao link desejado - mas o site não assinala os links à medida que vão sendo seleccionados. “Faltou claramente alguém que fizesse uma validação manual [do cumprimento dos requisitos de acessibilidade] ou pelo menos um teste com duas ou três pessoas com algum tipo de necessidade especial”.
Até aqui estou de acordo, e o caso dos links não mudarem de aspecto é facilmente resolúvel com uma mera alteração nas style sheets.  Mas deixem-me fazer uma pergunta acerca destes problemas... Um surdo pode usar o rato, logo os links não são um problema. Um cego também não os vê tenham eles uma cor diferente ou não e uma pessoa sem os membros superiores também tem alguma dificuldade em usar um teclado, visse ele os links ou não.
Um cego ouve os vídeos mas não pode fazer muito mais, um surdo vê os vídeos mas não tem legendas e uma pessoa sem membros superiores poderia ver e ouvir vídeos e navegar nos links, pudesse ela usar um teclado ou um rato.
Acresce a isto que no sapo.pt o conceito de sequencia na navegação dos links é uma coisa muito relativa.
Então, este é um problema de ilegalidade do site ou apenas um aproveitamento infantil da situação para desancar o Governo por mais coisa nenhuma?

O que seria bem mais útil seria elencar estes problemas e usar as sugestões para os fazer chegar a quem realizou o site. Até porque nenhum dos "especialistas" tem muito de que se orgulhar.
Aliás, nem o site do Público é grande coisa do ponto de vista de usabilidade ou design. Para já não falar da merdice de anúncios em Flash que ocupam a página inteira obrigando depois a fazer scroll recorrendo à barra lateral já que o "rolete" central do rato fica desabilitado (layers, meus amigos, layers).

Mas com isto faz-se uma notícia de página de entrada, fica-se chocado com 75 mil euros do trabalho e aí está o Governo a ter culpa de mais uma coisa. Não me parece de todo exagerado o custo do portal, para ser muito franco. Em muitos sites de empresas por este país fora, 75 mil Euros é uma alteração que o utilizador praticamente nem nota.


Isto não me aborrece por ser este Governo. Aborrece-me porque estas coisas são alvos fáceis sejam iniciativa de que Governo forem. É um hábito recorrente ter questões destas por causa da tecnologia. De repente os tipos de IT passaram a ser os maus. Ladrões e incompetentes. O "gajo da informática" passou de salvador a odiado. Porque o "gajo da informática" pede dinheiro pelo que faz e nem sempre fica bem á primeira. Muitas das vezes porque quem pede não o faz como deve ser ou até porque as coisas vão mudando à medida que se vai avançando.
Aborrece-me porque passam a vida a remexer na merda com um pauzinho, todos empertigados e virtuosos como se pudessem ter orgulho da porcaria que têm para mostrar. Pois não têm.

Dir-me-ão que o Governo legislou sobre isto e que a lei deve ser cumprida. Absolutamente de acordo. Tenho imensa pena que não façam esta brilhante análise no site do Parlamento, por exemplo. Carreguei no símbolo da acessibilidade e está lá isto
A Acessibilidade do Portal
O Portal Internet da Assembleia da República tem como um dos seus objectivos proporcionar a todos os seus utilizadores acessibilidade aos seus conteúdos. Cumprimos as normas internacionais de acesso aos conteúdos Web, facilitando a sua utilização a todos os que nele entrarem com tecnologias de acesso.
Existe uma particular atenção para com os cidadãos com necessidades especiais garantindo um elevado nível de compatibilidade com os leitores de ecrã mais utilizados no mercado.
O Portal utiliza também um serviço - ReadSpeaker - que permite uma consulta mais fácil dos sites de internet, através de uma síntese vocal quase natural, que lê o conteúdo das páginas ao visitante.
Continuamos a trabalhar no sentido de aumentar o nível de acessibilidade aos conteúdos deste Portal.

Se alguém me disser onde está alguma informação de como usar o serviço Read Speaker dou-lhe um doce. Não é fácil de descobrir, nem de particular facilidade de utilização a menos que se saiba que pode ler excertos em vez de páginas inteiras.
Lê links sem fazer a distinção se são links ou não, lê labels de imagens, não está autorizado para o domínio em inglês (www.en.parlamento.pt) etc etc. E já agora expliquem-me porque é que um site que segue as normas de acessibilidade tem o seguinte texto:
(...) Continuamos a trabalhar no sentido de aumentar o nível de acessibilidade aos conteúdos deste Portal.
Afixação do Símbolo de Acessibilidade à Web
A afixação do Símbolo de Acessibilidade não garante que este sítio seja 100% acessível. A utilização deste símbolo demonstra, unicamente, um esforço em aumentar a acessibilidade deste sítio em conformidade com a Resolução do Conselho de Ministros Nº 155/2007 sobre acessibilidade dos sítios da administração pública na Internet pelos cidadãos com necessidades especiais.

É  que  se continuarem a trabalhar deve ser porque é sempre um trabalho que nunca está acabado, pelo que do ponto de vista mais rigoroso pode estar também fora da lei. Vão-me dizer que também é culpa do Governo?

Ora meus amigos é com grande mágoa que tenho de vos mandar à merda (especialistas e media, bem entendido. Não é com grande mágoa, é até com alguma satisfação mas tento manter um tom mais ou menos elevado).
Assim que consiga vou mandar-vos à merda em Braille e tentar por aqui um clip de som mandando-vos à merda, porque eu não quero que nenhum jornalista ou especialista cego ou surdo ou as duas coisas fique sem receber a mensagem.