Os media (7)

Não vi ontem o Jornal da SIC e pelos vistos não tive a oportunidade de assistir a mais uma brilhante peça jornalística desta estação de televisão.
Mas hoje chamaram-me a atenção para a mesma e consegui encontrar no site da SIC a dita "peça" jornalística.

No Jornal da Noite uma peça sobre a "justiça em Portugal" os briosos jornalistas lá voltaram a a dar a SUA visão bastante arrevezada daquilo que nós somos em comparação com aquilo que os outros são.

A peça (a bela peça) era uma análise acerca da morosidade da justiça em processos de grande dimensão, como no caso  das contrapartidas na compra dos submarinos que ainda não chegou a julgamento.
A jornalista dizia num tom muito pouco imparcial que isso se devia à inexistência de espaço na agenda do juízes.
Por oposição dizia que o caso na Alemanha já foi julgado.

Claro que quando comparamos coisas convém que comparemos coisas iguais. Que não se caia em erros  como mais recente do Público (O caso das nomeações do Governo: esclarecimento e correcções) que dava a entender que o Governo actual tinha feito muito mais nomeações do que o anterior Governo. O único pequeno problema da comparação tinha a ver com o facto de se estarem a comparar 6 meses de um governo com 2 meses do outro. Acresce a isto que estamos a comparar um Governo de um partido que esteve arredado da governação por 6 anos com um que estava a iniciar o seu segundo mandato.
Posta da maneira como foi, a comparação faz obviamente parecer tremendamente mal a actuação do Governo. E a verdade é que só pode ser esse o objectivo de colocar notícias num jornal sem o mínimo de contextualização.
Neste caso da peça da SIC o problema é exactamente o mesmo. Não é de todo comparável a quantidade de processos que tem um juiz criminal na Alemanha e em Portugal. O número de processos não deverá andar muito longe de ser 10 vezes mais para um português do que para um alemão.

Porque é que nesta peça sobre a justiça não referem os casos protagonizados por Noronha do Nascimento, Candida Almeida ou outros que envolveram Sócrates e os seus amigos? Porque não se fala nos atrasos do caso Face Oculta (com a mesma idade doutros casos referidos na peça)? Não há uma única referência ás peripécias de casos que envolvam gente associada com o poder "passado".
Até estranhei não terem juntado o caso BPN a esta lista de "tropelias" da justiça.

Logo por aí se vê até que ponto a superficialidade dos nossos jornalistas não difere muito daquilo que faz um português inculto e com muito pouca preocupação com o rigor das palavras que lhe saem da boca.

Mais adiante o jornalista chega a dizer que "a desculpa" no caso BCP é por os arguidos estarem a ser julgados noutro caso. Notem bem, não é justificação, razão etc etc. É DESCULPA.
É caso para perguntar qual é a desculpa que um jornalista apresenta para se comportar como uma besta inculta. Ou qual é a desculpa dos responsáveis pela informação da estação para deixar colocar uma peça no ar sem qualquer preocupação de rigor jornalístico. Será que a desculpa é o facto de serem umas bestas? De serem tudo menos jornalistas com algum gabarito?

Apesar de eu e todos nós sabermos que a justiça está muito longe de ser perfeita, sei muito bem que existem como em todo o lado bons e maus profissionais. Maus e bons juízes, maus e bons magistrados do MP, bons e maus jornalistas etc etc.
E sei também que é dever dos juizes e dos jornalistas ser imparcial. Uns porque tomam decisões com um enorme impacto na vida das pessoas e os outros porque têm um papel que pode ser de informação ou de manipulação de quem os vê e ouve.
E não considero um bom jornalista aquele com o qual eu concorde. Considero um bom jornalista aquele que deixa as suas convicções de fora da equação e que se esforça com a isenção a que é obrigado em investigar e ir ao fundo das questões.
Um jornalismo sério é aquele capaz de apresentar os vários pontos de vista ou pelo menos pesá-los de forma a que a decisão final caiba a quem recebe a informação.

Fornecer informação parcial não é mais do que retirar aos cidadãos a capacidade de decidir e formar a sua própria opinião. Este tipo de informação não é um exercício de liberdade. É um exercício de condicionamento da liberdade de informação e de decisão. Em suma, é uma verdadeira trampa.

O que este jornalismo faz é dar a sensação a todos de que temos uma justiça de calões, que atrasa estes casos porque está a proteger "certas" pessoas e que devia pura e simplemente ser tratada a chicote como trabalhadores forçados.
Isto aumenta, e de que maneira, o sentimento de revolta da população em geral perante a justiça. O respeito perde-se, trata-se um órgão de soberania como se fosse apenas um grupo de funcionários sem estatuto, sem prestígio e sem saber.
Basicamente o que isto faz é contribuir para que as pessoas em vez de respeitar a justiça e a lei, se caguem para ela. Faz com que se olhe para atitudes justiceiras como uma possibilidade viável perante a "bandalheira" que é a justiça em Portugal.

Passámos de ter um jornalismo mau e subserviente da era Sócrates que fazia isto por ordens superiores a um jornalismo parcial, superficial, ignorante e deformativo que pretende criar uma certa forma de pensar face a um novo poder de um partido diferente.
Pode não ser a linha orientadora das estações ou dos jornais. É no entanto a linha de alguns jornalistas com o beneplácito das suas chefias e das direcções de informação. E isso é o produto final das estações de TV e dos jornais por mais que os seus directores proclamem nobremente os ideiais do bom jornalismo, da isenção e da qualidade.
Uma informação assim não é informativa. É deformativa e manipuladora.

Mais um bom serviço prestado em nome da informação. Mais um caso emblemático de informação de sarjeta. Como é que gente assim poderia não gostar dum borgesso como Marinho Pinto?



A peça começa no minuto 21.