Quando até eu começava a concordar...

Não assisti, mas ontem parece ter havido algum sururu por causa de declarações de Manuela Ferreira Leite. As declarações tinham a ver com os custos da hemodiálise e com a diferenciação da sua gratuitidade no caso de as pessoas que tenham de fazer o tratamento tenham possibilidade de o pagar.
É um bocado chocante pensar que estas pessoas poderão ter estado uma vida inteira a pagar os seus impostos para que outros tivessem acesso a este tipo de tratamento de forma gratuita e que agora tenham de o pagar, mesmo sendo imposta uma carga fiscal maior do que antes.
Por este andar estaremos todos nós a ter um salário mínimo liquido independentemente daquilo que nos for pago de salário.
É o perfeito nivelamento comunista. Independentemente daquilo que se faz, ou neste caso daquilo que se ganha, todos terão no fim o mesmo dinheiro liquido para gastar. Uns porque ganham pouco e tudo é gratuito ou é mais barato (saúde, educação, transportes, etc etc) e outros porque têm de pagar tudo isto acabando, em caso de"azar por estarem doentes", a ter de sobreviver com menos do que um "pobre a quem tudo sai de borla.

O meu problema está na forma como se discute este tipo de coisas.
Posteriormente, em declarações à Antena 1, Carlos Silva, da Associação Portuguesa de Insuficientes Renais, reagiu mostrando-se incrédulo com as declarações de Ferreira Leite. “Essa senhora não sabe o que está a dizer. Só se for a família dela que pode fazer isso”, afirmou, lembrando que um doente sem este tratamento morre em poucos dias. E criticou a postura de Ferreira Leite, recordando que a social-democrata foi a mesma pessoa que sugeriu “que se podia suspender a democracia durante seis meses”.
Se eu até estou de acordo com este sr. Carlos Silva na primeira parte da afirmação, quando ele chega ao fim com a treta dos seis meses de democracia só dá vontade de o mandar calar. Como muitos neste país foi um dos que embarcou na onda mediática à volta de uma frase retirada do contexto em que foi dita.
E foi dita de forma sarcástica no sentido de ilustrar que era preciso discutir com as partes antes de tomar decisões. Esse processo de decisão unilateral era uma constante do Governo de Sócrates, que apoiado na maioria, aprovava o que lhe dava na gana descartando toda e qualquer sugestão da oposição e da sociedade civil.
Manuela Ferreira Leite perguntou depois se não seria melhor suspender a democracia do ponto de vista do Governo, para não ter de suportar a discordância.

O mesmo se tem passado com a história do desvio colossal. Expressão que nunca foi dita. Foi dito sim "desvio que vai obrigar a um esforço colossal". Chegaram até a passar-se as declarações do Ministro das Finanças acerca do contexto da frase, em tom jocoso, nas televisões. A gravação de vídeo que comprovava que Passos não tinha dito desvio colossal e que corroborava palavra por palavra as declarações de Vitor Gaspar foi brevemente passada na SIC e rapidamente ficou no esquecimento.
No entanto, e fazendo mostras de uma total falta de honestidade intelectual, numerosos actores políticos e jornalísticos continuam a referir-se à expressão como se ele tivesse sido dita, sem qualquer respeito pela verdade, apenas para conseguir um determinado efeito.

Dentro de algum tempo aparecerá mais um qualquer imbecil (já apareceram bastantes) a por na boca de Passos Coelho coisas que ele não disse apenas porque não vai gostar de um anúncio qualquer que ele venha a fazer.

Quando alguém critica usando  argumentação como esta (recordando que a social-democrata foi a mesma pessoa que sugeriu “que se podia suspender a democracia durante seis meses") eu pergunto: Que merda tem isto a ver com a hemodiálise? É só para incluir um insulto velado à opinião de Ferreira Leite? Claro que é. Claro que como bom português e à falta de uma maneira inteligente de discutir as coisas parte-se para o insulto em vez de simplesmente dizer que se discorda em absoluto. Se for dito de forma enfática é quanto baste para percebermos que é contra. Não é preciso trazer a família da senhora para a discussão e muito menos afirmações deturpadas sobre palavras da mesma.

Notem que discordo em absoluto desta forma de pensar de Ferreira Leite. Se os que ganham um pouco mais vão ter de pagar tudo à parte para os que ganhem menos não paguem nada, vai chegar uma altura em que mais vale não ganhar quase nada porque se vai viver com o mesmo dinheiro disponível. O problema é que se todos pensarem assim vai deixar de haver dinheiro para todos. E aí o sistema colapsa pela base.
Mas ao menos sejamos honestos a tecer apreciações sobre a sua posição sem ter de trazer coisas para a discussão que nada têm a ver com o assunto em discussão e que foram fortemente distorcidas pelos media e adversários políticos. E mesmo que a frase de MFL tivesse sido essa, uma coisa é democracia e outra é Estado Social. Uma pode advir da outra mas não são conceitos sobreponíveis nem sequer mutuamente  ligados. Já havia democracia em Inglaterra muito antes de haver Estado Social.
Discutir estas declarações nos termos em que este Carlos Silva o fez não é mais que uma discussão de energúmenos que não leva a lado nenhum e que está sempre no limiar entre a discordância e o insulto.