A culpa é nossa...
Mas a questão que se põe mesmo é. E qual é o nosso potencial?
Bem, ele é o nosso potencial como povo. Não somos menos que os Alemães ou que os Ingleses com uma notável excepção - a quantidade.
Uma das nossas "cruzes" é o facto de sermos poucos. A nossa escala inviabiliza iniciativas que para um país com 50 milhões de habitantes já são perfeitamente viáveis.
Talvez por isso os nossos antepassados ambicionavam um Portugal maior.
Só que desde há muito tempo percebo que o facto de sermos pequeninos não é só o que nos separa dos "grandes" países desse mundo.
O português não sabe bem qual é o seu lugar. Vive mais ou menos desnorteado e confundindo coisas. Confunde o que sabe com o que não sabe, emite opiniões sobre tudo mesmo não sabendo patavina do que está a falar. Pressupõe quase sempre que todos são estúpidos e ele foi o que descobriu aquilo que ninguém mais tinha visto antes.
Devemos ter sido sempre assim. Não é por acaso que quase todos os países da Europa que passaram por uma guerra enormemente destrutiva passaram por nós como verdadeiros foguetes e nós ficámos neste lamaçal eterno.
Mas as coisas agravaram-se muitíssimo nos últimos anos.
A diferença fundamental que eu noto entre um português e um alemão tem a ver com uma premissa tremendamente simples. O alemão sabe qual é o seu trabalho e confia no trabalho dos outros antes dele e no trabalho daqueles que estão depois. É o conceito da cadeia de produção levado ao limite.
E confia porque sabe que alguém que sabe, planeou, desenhou e garante que o sistema funciona assim.
Por oposição o português que talvez não saiba muito bem fazer o que lhe compete, questiona a competência dos que estão antes e dos que estão depois. Perde-se em questionar (ou muitas vezes torpedear) o trabalho dos outros esquecendo-se muitas vezes de fazer o seu.
A mania de refazer tudo do zero acontece até ao nível dos governos. Há sempre alguém a apagar o quadro e a começar de novo.
Muitas vezes, esta tremenda ineficácia é suprida por uma enorme capacidade de "desenrascanço". Mas como um bom desenrascanço, é mal amanhado não reproduzível e nunca passado a conhecimento partilhável com os outros. O desenrascanço é específico de cada um e diferente entre todos.
Um alemão não conhece o conceito de desenrascanço. Fica como um peixe fora de água perante uma situação inesperada. Juntam-se, discutem e documentam uma forma de evitar a situação inesperada. OU de a transformar em esperada. Os chamados "known unkowns". A partir daí nunca mais vai ser preciso desenrascanço. Apenas margem de segurança.
Tudo é metódico, documentado e partilhado. Daqui a 20 anos tudo o que fizeram, planearam e realizaram poderá ser reproduzido detalhe por detalhe.
Connosco tudo é feito em cima do joelho, não documentado e propriedade do autor para todo o sempre. Aqui passados 3 anos já ninguém se lembra onde estão as coisas. Esperar que se descubra como um processo foi concebido e porquê é uma tarefa completamente fútil. Houve já 10 desenrascanços em cima do plano inicial que subverteram todo o pensamento inicial subjacente.
E os gestores portugueses (se é que se podem chamar de gestores aos incontáveis calhaus que andam por este país) não conseguem de forma nenhuma reverter esta forma de fazer as coisas. A não ser que apliquem métodos desenvolvidos por outros. E muitas vezes mal compreendidos e mal implementados. Que dão como resultado uma capa artificial de organização e método que não é mais que uma camada adicional de burocracia. Querem um exemplo? As avaliações...de mérito? rofl....
Perdemo-nos com pormenores e muito poucas vezes olhamos para o objectivo final. Se fossemos fazer uma comparação entre um corredor de 110 metros barreiras alemão e um português, o alemão corria como um desalmado do principio ao fim, porque o treinador lhe tinha dito que era isso que ele devia fazer, enquanto que o português iria apreciar a forma como as barreiras foram pintadas durante a corrida, assegurando no fim da corrida que conseguia ter pintado aquela "merda" muito melhor.
Basicamente ninguém confia em ninguém neste país. Nas capacidades dos outros, na sua honestidade e nas suas palavras.
Uma esmagadora maioria fala de justiça ou de economia sem perceber "pevas" do que está a dizer. Quando lhe explicam como é responde que devia ser doutra forma. Comenta sound bytes deturpados e deturpa-os um bocadinho mais. Perante um texto consegue interpretar exactamente o contrário do que ele expressa.
Vemos isso até na política. Gente que deveria saber do que fala. Gente que devia saber o que são os pressupostos de uma discussão sem querer mudar as regras a meio.
É muito estranho que isso funcione assim. Já trabalhei com ingleses, americanos, alemães e a principal diferença entre eles e nós é que recorrem apenas ao que está pensado e planeado. Podem até redefinir um plano em face de alteração de condições. Mas refazem o plano. Nós desenrascamos e nada mais bate certo com o plano a partir daí.
Não desperdiçam esforço em coisas acessórias. Nós não fazemos outra coisa. Não ligam a problemas antes de eles se manifestarem ou serem reconhecidos como problemas. Nós passamos a vida a inventar problemas que ainda nem sequer temos e provavelmente não vamos ter. A velha mania do "eu bem disse".
Tudo o que nós fazemos mal, contribui para um enorme fosso de produtividade entre nós e eles. A diferença pode ser abismal. No fim nem sequer reconhecemos que o trabalho deles devia ter sido feito. Mas a diferença fundamental é que eles levam 6 meses e fica bem feito. Nós desenrascamos em 2 meses e passamos 2 anos a colar adesivo para manter as coisas a trabalhar.
Eles partilham conhecimento sob a forma escrita. Nós guardamos para nós e andamos sempre a procurar o "gajo que sabia".
Não é de espantar que perante estas diferenças óbvias nós percamos com a comparação com estes indivíduos. Nem planear a abertura duma miserável vala na rua nós conseguimos fazer. Põe-se um pavimento novo e um mês depois aparecem uns tipos do gás ou da electricidade ou do cabo a abrir uma vala para fazer qualquer coisa. E depois não vem asfalto para tapar o buraco ou a calçada não é reposta até ser perderem as pedras todas.
E alinhavámos um Estado assim. Desde a burocracia desnecessária e opaca que serve esta forma de estar até ao derrapanço mais que escandaloso de custo e tempo de todas as obras que fazemos.
E porque é que sabendo isto não se faz nada para mudar? Porque convém a alguém, ou melhor, porque convém a muitos. Se fossemos eficientes e capazes havia muito menos gente a viver à custa da ineficiência que manifestamos.
As empresas públicas são o exemplo acabado desta forma de pensar. Já há tanta gente a não fazer nada de jeito que tanto faz metermos mais uns a fazer o mesmo. O Estado que somos nós, paga.
Não creio que mudemos de forma de ser durante a minha vida. Haverá sempre excepções em que a nossa capacidade de adaptação aliada a alguma organização possa fazer a diferença. Mas são excepções. E se nós conseguíssemos disciplinar o nosso desenrascanço e usar um verdadeiro método seríamos imbatíveis.
Não é por acaso que um português, a trabalhar num ambiente deste tipo, quase sempre brilha. A nossa multidisciplinaridade não tem paralelo. Só que cá acaba por ser deficit de atenção.
As empresas privadas e públicas encheram-se de gente que finge que sabe e finge que faz porque havia sempre dinheiro para pagar. Agora não há.
Mas a nossa sina perdura. Quando em face de uma decisão para tornar uma empresa mais eficiente, manda-se embora os que sabem e ficam os amigos de quem decide.
Nunca o mérito é tido em conta.
A estupidez e o nepotismo são reis.
Aquilo que tivemos na governação desde o 25 de Abril foi isto. Periodicamente estamos de calças na mão.
Quem sobe a lugares governativos são os que, à falta de currículo, enveredaram pela política. Elegemos gente que finge que sabe e finge que faz. Atiram sacos de dinheiro ao problema. Sossegam as massas com benesses.
Pois bem, acabou-se o dinheiro. Acabou-se a estratégia. Aquilo que todos nós vimos e nunca se teve a coragem de mexer, descobriram os srs. da troika numa questão de semanas. E o tratamento é uma paulada nas costas de grande envergadura. Nas minhas, nas vossas, nas de todos que nunca fizeram nada para por este desgraçado país no Estado em que está.