O legado
Sei bem que em política não convém dizer verdades. Sobretudo se forem incómodas e se tivermos tido um papel relevante na criação dessas verdades incómodas. Mas andar a branquear o passado a ponto de se omitir 99% da realidade negativa e focarmo-nos só no 1% que é positivo, ou é um exercício de mentira consciente e deliberada ou é pura alienação.
Assim é com muitos dos que hoje defendem o passado recente com argumentações mentecaptas. Houve muita coisa de positivo dizem, esquecendo o fétido patameiro que criaram e o peso insuportável da dívida e da carga fiscal que subiram enquanto desbaratavam o suor de todo um povo em disparates e benesses.
Dizer que de positivo ficou algo que é uma infinitésima parte do mau que se deixou é aquilo de que a pior política é feita. É aquilo que leva todo um povo a achar que os políticos são uns miseráveis aldrabões que vivem á grande com o dinheiro dos outros. Sou tentado a concordar com esta visão da política quando se vê um congresso como o deste fim de semana.
Assis tem uma visão completamente alienada do legado de Sócrates. E do seu, já que falámos nisso.
Assis diz que não foi a dívida, a austeridade e o abaixamento do nível de vida que sentimos todos os dias.
Ora essa. O legado de Sócrates e dos seus governos foi a aposta na economia, na ciência e na educação.
Era difícil tentar escolher 3 coisas boas do legado de Sócrates. Daí que não se lhe leve a mal a escolha recair sobre exemplos que são verdaddeiramente maus.
Na economia, a intervenção estatal por portas e travessas causou distorções bizarras na concorrência e um endividamento desmesurado do país. Para "fomentar" economia em coisas como as estradas ou o parque escolar, abriram-se buracos de dimensões dantescas. Ao dar "balões de oxigénio" à economia não só se habituou todo um sector a viver na mama permanente do Estado como se endividou o país nesse processo.
Temos hoje na habitação um conjunto de fogos novos impossíveis de vender e transformamos os bancos nos maiores proprietários do país. Eles acabam a ficar com as casas de quem não as pode pagar, vendendo-as, quando conseguem, em hasta pública por preços irrisórios.
Os construtores chamam a isto concorrência desleal porque não estão para baixar os seus próprios preços. Clamam junto do Estado por medidas de "ajuda". Que se afundem e desapareçam com as mais valias brutais que fizeram a construir verdadeiras porcarias durante 15-20 anos.
Na ciência da qual tanto se orgulha Assis não há muito a dizer. refúgio de muitos que por falta de empregos enveredaram pela "investigação" com bolsas.
Mas mesmo em sectores inovadores como foram os casos das redes ATM e Via Verde, começou a perder-se toda a iniciativa e hoje nada mais fazemos a não ser comprar os equipamentos fabricados fora.
Até o famoso chip de matrícula que mais não é uma nova geração de Via Verde passou a ser comprado fora. Inventou-se uma empresa com uns quantos amigos dentro, que em troca de mais valias significativas compram tudo fora. Adeus iniciativa.
Gostaria mesmo de saber em que é que a "ciência" nacional se traduz numa melhoria da economia como um todo, ou em que é que as descobertas nacionais são mais relevantes do que as de qualquer outro país. Não podemos dizer que Portugal seja um país que se destaque neste domínio de outro país civilizado qualquer.
Na educação estamos conversados. Se houve período em que se "arranjaram" as coisas para ficar bem nas estatísticas foi com José Sócrates.
Não houve uma medida tendente a colmatar as lacunas óbvias que os alunos têm hoje em Português ou em Matemática.
A cultura do facilitismo para garantir bons números de escolaridade e de gente "formada" neste país trouxe um cenário desolador à educação. A única preocupação de Sócrates e do PS foi a de conter os gastos salariais com os professores. Toda a guerra que se lhe seguiu debaixo da bandeira da qualidade foi uma mistificação total.
Se alguma coisa há a dizer daquilo que é o conceito de educação de Sócrates e do PS, basta olhar para a sua "formação" e para a licenciatura de Armando Vara...
Não é preciso muito mais exemplos para se perceber qual o "modelo" de Educação em que estes rapazes estiveram empenhados.
Mas neste congresso o que mais saltou à vista foi um líder a renegar o passado e a ser aplaudido pelos executantes desse mesmo passado. De repente, todos os que se arrojaram aos pés de Sócrates pedindo benesses, aplaudem entusiasticamente Seguro. Só num partido isento de espinha dorsal Sócrates poderia ter subido onde subiu. Não surpreende pois que hoje esses mesmos militantes notáveis estejam prontos a renegar tudo o que ele fez mas ao mesmo tempo defendendo tudo de "bom" que a sua governação teve.
Pois existe uma diferença de opinião entre a maioria do povo português e este PS. O legado foi a subida consistente da carga fiscal e da dívida durante o governo de Sócrates. Aquilo que os impostos possam subir agora ficará muito aquém daquilo que subiram nos últimos 6 anos. A coberto duma suposta solidariedade fiscal e outras justificações completamente falsas, o estado sugou recursos da população e desbaratou em obras inúteis, excessivamente caras a coberto de contratos e jogadas verdadeiramente duvidosas.
O legado perdurará mas não é o de Seguro nem de Assis. É a miséria.
Fonte: Henri Cartoon