Um certo desassossego

Desde há muitos anos que me sinto  deslocado em relação ao que se passa neste país.

Os portugueses têm uma forma especial de transformar qualquer força construtiva em algo de profundamente pernicioso e que acaba por os destruir.

Desde o tempo em que este país se pôs direito (depois da entrada para a CEE) que sinto que se começou a construir aquilo que somos hoje. E não construimos grande coisa.

Assistimos ao desbaratar de dinheiro da CEE em esquemas apenas destinados a sacar o máximo possível sem pensar minimamente nas consequências.

O lucro fácil, a redução de tudo a uma questão de ganhos ou perdas começou a minar a nossa forma de pensar a um ponto em que deixou de ser perceptível.

Tornámo-nos individualistas, imediatistas e muitíssimo cegos em relação a tudo o que nos rodeia. Enquanto eu estiver bem, tudo está bem.

E assim nos enfiámos no buraco.

As ideologias foram-se. A ponto de ser quase um insulto dizer a alguém que ele é um idealista.
O querer melhores condições de trabalho transformou-se numa questão de "esquerdistas". As empresas tornaram-se implacáveis na forma como tratam alguns trabalhadores e aceitam tudo a outros. A forma como se cobrem de luxos e regalias alguns dos gestores por oposição às condições miseráveis a que se  reduz outros são vistas apenas de uma forma : Ainda bem que não é comigo.

O estado transformou-se num feudo parecido a uma empresa privada onde gestores incompetentes contornam as regras sempre que querem. O próprio Estado usa e abusa do recibo verde nas suas contratações. As empresas claro está lançaram o mote com o beneplácito do Estado e das instituições que deviam controlar este estado de coisas.

Desde o tempo das entradas de dinheiro da CEE que alguém com dois dedos de testa poderia perceber que assim não tínhamos futuro. Viver num país que tem um deficit em relação ao que produz ano após ano tornava isto inevitável.
O país transformou-se numa enorme actividade especulativa que apenas consiste em acrescentar margem de lucro a qualquer coisa.

Destruiu-se o pequeno comércio e subordinou-se o que sobrou à mão de ferro das administrações dos centros comerciais. Só no governo de Guterres as licenças emitidas para grandes superfícies foram da ordem das centenas.
Proletarizou-se o empregado do comércio. Hoje, em nome da comodidade dos portugueses que "trabalham", também estão abertos ao Domingo.
A suposta de criação de alguns postos de trabalho com esta medida não parece ter tido qualquer reflexo nos números do desemprego. Mas agora os portugueses estão mais cómodos e isso é bom para eles individualmente e isso é tudo o que interessa a cada um deles. Que se lixem os outros.

A explosão do sector financeiro com os seus mega ganhos levou a que o lucro fácil se tornasse extremamente apelativo. À semelhança do que se passou com a bolha tecnológica dos anos 90, houve gente a ganhar milhões com "negócios" que não valiam nada. Conseguiram financiamentos de bancos usando gente influente para dar alguma respeitabilidade à coisa. Passearam-se em automóveis de luxo em ALD para de uma penada acabarem, deixando os bancos com a dívida, os investidores com o prejuízo e os "gestores" com uns trocos guardados em qualquer lado. Para os portugueses parecia estar tudo bem. Para os bancos não havia azar. Entrava tanto dinheiro que bem podiam assumir as perdas. Concediam-se perdões a dívidas de milhões.

Acenou-se a todos com o crédito fácil e a casa dos sonhos. O Imobiliário singrou. Todos os dias os apartamentos ficavam mais caros. "mais vale comprar já porque para o mês que vem está mais caro" diziam os vendedores.

As pessoas passaram a comprar um telemóvel, não porque pode fazer falta ligar para alguém, mas sim por causa dos "negócios" a julgar pela forma como as operadoras concebem a sua publicidade.
Deixou de se beber um sumo porque e agradável. Passou a beber-se por causa do lifestyle que isso representa.


Criou-se um ensino privado de qualidade mais do que duvidosa para empolar os números de licenciados e fazer entrar nos bolsos das "universidades" milhões em propinas.
À saída os licenciados percebiam o que valia o seu curso.... um lugar num call center a vender a ultima maravilha da tecnologia.
Algumas dessas universidades pura e simplesmente fecharam. Os casos Moderna e Independente foram os dois maiores estrondos.
Inventaram-se MBA de conclusão garantida em troca de um valor simpático de "propinas".
Hoje temos uma extraordinária quantidade de Masters em Business Administration que gerem as mais variadas coisas. Na maior parte das vezes sem capacidade, sem estofo moral e sem tomates.

Transformou-se um país numa faixa no litoral (Cravinho dizia que tínhamos de ter uma megalópole junto à costa). Destruiu-se o interior e reduziu-se a economia a pó.
As pessoas foram reduzidas a números em estatísticas manipuladas pela conveniência de políticos medíocres.

Passou a ser mais importante parecer do que ser. Parecer rico, parecer que se tem berço ou classe, parecer que se é inteligente. Nas empresas gente muito limitada adoptou um discurso meio aparvalhado com o qual não diz nada. Imparidades, balizar, assesment, task force.... Em suma, nada. Sem substância, sem qualidade sem significado.
Os portugueses passaram a querer o LCD, o LED TV , o iPhone e o GPS. Deixaram de saber para onde vão e nem querem saber. Em qualquer período eleitoral um político vende-lhes a seriedade ou a revolução e prontamente eles tomam partido. Aqueles com que simpatizam nunca são capazes de ser desonestos e aqueles com que antipatizam são SEMPRE desonestos.
Perderam completamente a noção do que está certo ou está errado. As coisas resumem-se a quem ganha mais ou quem ganha menos do que eles. Quem ganha mais nunca o merece e quem ganha menos não faz por merecer. Tornámo-nos um país de fdp insensíveis, egoístas e invejosos.

Quanto mais vazio e desprovido de substância melhor. A superficialidade total. O que aliado ao proverbial alheamento da realidade dos portugueses criou uma bomba relógio de enormes proporções (o português quando tem um problema finge que ele não existe e, como que por magia, ele deixa de existir)

Tudo isto não começou agora. Começou nos 90. Nos gloriosos 90 em que o dinheiro vinha a rodos para Portugal. Hoje estamos metidos num sarilho.

Pessoas como Cavaco Silva, Manuel Alegre e até Louçã (se bem que por razões diferentes e opostas) são um produto dessa época. Louçã era um tonto do PSR, cheio de si, que capitalizou com o descontentamento crescente duma camada da sociedade vitima desta mentalidade e com uma juventude totalmente ignorante do ponto de vista ideológico e político.
Acenem-lhes com a despenalização dos charrinhos e eles votam em qualquer coisa. A argumentação adolescente e radical do BE atraiu 12% de jovens de desiludidos e de revivalistas da extrema esquerda habituados a recitar Marx e a acreditar que a utopia é possível.
Os anacrónicos comunistas por cá se vão mantendo. Metendo uma mão à frente dos olhos e negando a Glaznost e a Perestroika. Expulsando os dissidentes. Que prontamente foram parar ao PS.

Vital Moreira, Pina Moura, José de Magalhães e outros que tais abandonaram a linha do partido e nunca viveram tão bem. Até esses meteram os ideais no saco e se fartaram de lutar pelo "povo" trabalhador. Seja como for eram intelectuais e esses, já se sabe, olham para o povo como se fosse uma massa amorfa, manipulável e muito pouco digna de respeito. Invoca-se apenas quando é preciso legitimar uma tropelia qualquer ou quando é preciso um lugarzinho ao sol numas eleições.

Apareceu uma nova geração de políticos vazios e incompetentes apenas preocupados em gerir a sua imagem mediática.
Aparecerem jornalistas vazios e incompetentes que tornaram estes políticos possíveis.
Apareceram comentadores incompetentes mais determinados em "fazer" opinião do que em dar opinião. Nem a que fazem nem a que dão é grande coisa na maior parte dos casos. Desde fala baratos imberbes a iconoclastas de meia idade de tudo se passeia pelas televisões.

A informação imediatista e superficial de uma TSF ou de uma SIC Notícias sobrepuseram-se à qualidade de investigação e profundidade da análise. Tornámo-nos "Americanos".

Até já estamos a ficar gordos como eles e estúpidos e consumistas como eles. Só não adoptámos a sua capacidade de inovação e empreendedorismo. Só copiamos o pior.

Não é na minha vida que isto vai mudar. Uma alteração social que abarque gerações tem de ter na sua génese algo de muito radical e renovador. Os políticos que chegam conseguem ser piores que os anteriores. Os gestores novos são ainda piores que os anteriores. Afinal toda esta gente perdeu o sentido do que está certo e viveu num pântano ético toda a sua vida adulta. O mérito e o esforço não faziam parte dela.

E esses irão lutar sempre por manter a mediocridade. Alguém de qualidade será sempre torpedeado pelos medíocres. Eles não querem que seja evidente o quão medíocres são.

Vamos para umas eleições em que os representantes desta era são os mais bem colocados para ganhar. Não admira. A presidência é o prémio para aqueles que já "serviram" a nação (e aparentemente se serviram dela) e que precisam de 10 anos descansados.

Vai chegar o dia em que veremos Guterres e Durão Barroso como candidatos. Ainda falta mais um ciclo de porcaria. As coisas vão piorar antes de ficarem melhores.
Temo bem que eu já não veja a parte ascendente da curva.
Temo bem que o fundo da curva seja um sacudir da porcaria por parte duma sociedade farta e cansada deste estado de coisas. E isso demora até acontecer.
Da última vez foram 48 anos. Ainda faltam 12.