Desde que me lembro

Já ando neste planeta há uns anos. O 25 de Abril não me apanhou numa era de despreocupação infantil.
Já era um homenzinho e lembro-me perfeitamente onde estava no 25 de Abril.

E curiosamente sempre mantive um certo interesse pelas coisas políticas.
Não tardou muito para achar profundamente ridícula a euforia revolucionária do Verão quente. As campanhas de Amizade Povo MFA, os soldados barbudos iletrados alfabetizando as populações remotas de Trás os Montes.
As ocupações de terras no Alentejo que aconteciam convenientemente antes das colheitas ou o apontar do dedo a quem toda a vida tinha trabalhado e conseguia não ser um miserável.

Passei por tudo isso.
Assisti depois à ascensão de uma nova classe política que não diferia muito da anterior. O nepotismo, o favor, o parentesco punham gente nos lugares de poder que doutra forma nunca alcançariam.
Era como se a nossa fosse uma democracia menor e como tal com necessidade de tutela por alguém de mais largas vistas.
Na verdade o nosso povo era especialmente inculto e especialmente manipulável. A informação era superficial e escassa e o nosso povo estava mais preocupado em sobreviver do que em qualquer outra coisa.

Talvez não seja tão diferente do nosso povo de hoje que nunca teve tanta informação nem nunca esteve tão mal informado. Os nossos jovens auto excluídos da política ou revolucionários extremos com a ideia de que tudo o que não seja jovem está obsoleto e carece de substituição. Não estamos assim tão longe do clima das RGA's e dos saneamentos de 1975.

E a nova classe política soube habilmente orientar o país neste sentido. Controlou habilmente todos os aspectos da sua sobrevivência, recorrendo à "democracia" quando chega o momento do voto popular.

Aí manipula, mente. deturpa e oculta de forma a conseguir os seus objectivos. É assim com todos, não me entendam mal, mas ao fim de ver estes quase 38 anos de democracia percebo subtis diferenças.

Sócrates usou algo que é basilar para quem quer o controle do poder e do dinheiro. Acontece assim especialmente com as associações criminosas que compram lealdades. Sócrates comprou-as e muito bem. E algumas foram compradas de forma tão subtil que nem nos demos conta do que se estava a passar.

Se assim não fosse como poderíamos ter um Júdice, outrora conotado com a direita mais à direita, a defender Sócrates ou um Proença de Carvalho que extravasa a sua condição de advogado com a obrigação de defender um cliente para um convicto defensor do personagem enquanto político?

As lealdades compram-se. Entre os políticos, empresários, jornalistas. E se houve uma coisa que Sócrates soube fazer foi isso.
Não é portanto estranho que todas essas lealdades compradas saiam hoje a terreiro apelidar de excessiva a demonização de Sócrates.
Não gostamos das GRANDES palavras. Preferimos a "contenção" e o "decoro" e a pose "apropriada" e o "perfil". Coisas intangíveis e decididas ao critério de cada um. É como se pedissemos silêncio na Igreja. É preciso respeito. Não se pode fazer estardalhaço.

E é essa falta de estardalhaço que nos traz hoje Mário Soares como um "senador" ou que se possa falar de Guterres ou Vitorino como candidatos a Presidente da Républica.
É como se à falta de capacidade e obra destes indivíduos a única coisa que se pudesse arranjar para eles fazerem é ser o mais alto representante do país.

Vitorino fez o programa do 1º governo de Sócrates. Fugiu dele como se foge da peste uns anos depois. Sabia que se fosse conotado com tamanho energúmeno as suas hipóteses duma vida regalada a fazer qualquer coisa na política talvez ficassem comprometidas.
O mesmo com Guterres. Com o indeciso Guterres que lida com tudo como se lida com os refugiados - pede-se dinheiro emprestado para os manter contentes e passar por bonzinho. Sócrates é claro levou isto ao limite. Mas levou ao limite também num outro sentido.
É muito mais fácil "palmar" um milhão se pusermos 1000 milhões a "rodar". Nesse volume um milhão parecem trocos. E que melhor maneira de por milhões a "rodar" do que fazer grandes obras inúteis?

Também já ouvi falar em Durão Barroso como possível candidato a presidente da Républica. Espero bem que não o seja. Quem sabe abandonava o cargo por troca com qualquer coisinha mais condizente com o seu ego como por exemplo a ONU.

Na realidade a nossa democracia é uma mera formalidade para legitimar a perpetuação desta gente nos mais altos lugares deste país.

Sócrates chegou lá. Nunca foi um aluno brilhante, nem sequer conhecido como um bom aluno, mas chegou a 1º ministro. Uma vida inteira habituado a esquemas e com a convicção de que estava sempre certo, como podia ele ter conseguido outra coisa que não fosse falir um país?

Mas como é que um personagem assim consegue toda esta onda de apoio e de reabilitação? Comprando lealdades. Uns porque não lhes basta ser professor Universitário e querem ser alguém público aceitam o lugar dum personagem eticamente duvidoso e intelectualmente inferior, outros porque lhes agrada o que pode significar estar na "jogada" do ponto de vista material. Há milhentas razões para que alguém possa aceitar um lugar "oferecido" por Sócrates. E aceitaram-no.

Do outro lado há a mesmíssima coisa. Talvez no CDS isso não seja tão óbvio pela simples razão de que os seus militantes têm um acesso mais esporádico a estes lugares. Mas também os há certamente. No PSD não temos nenhuma dúvida de que é assim.

Até os briosos comunistas claudicam quando têm as mãos metidas no pote. Vão-se todos abaixo.

A única forma é uma mudança do sistema democrático tornando-o em mais do que uma mera formalidade. Se a democracia representativa permite aos "representantes" perpetuar-se no sistema acabam por nos retirar todas as hipóteses de escrutínio.

Como se muda isto? Não sei. Mas aqueles que falam de uma revolução, especialmente os que não passaram pelo pós 25 de Abril ou não estão a ver bem as coisas ou esperam uma simples troca de lugar.
Talvez devêssemos olhar para exemplos como o Sueco ou o Suiço (em que há um referendo por dá cá aquela palha) para perceber como refundar a nossa democracia.