O doente morreu mas a operação foi um sucesso

Em termos médicos é mais ou menos o que aconteceu com a Parque Escolar.

Maria de Lurdes Rodrigues foi hoje à Comissão Parlamentar de Educação "defender" o sucesso da Parque Escolar.

É notável a forma como em Portugal ninguém falha. O que se passa são sempre más vontades, cabalas politicamente motivadas ou simples desconhecimento que levam as pessoas, mal intencionadas, a ver fracassos onde outras vêm sucessos.

E o caso da Parque Escolar parece não ser uma excepção.
Tanto a IGF como o TC constataram que o programa de modernização dos estabelecimentos de ensino, lançado em 2007, ultrapassou largamente a estimativa inicial para 332 escolas, apesar de a execução do programa estar a pouco mais de metade.
Duas entidades confirmam um desvio importante no orçamento para o programa estabelecido na renovação de Escolas e de construção de novos equipamentos por parte desta "empresa" criada exclusivamente para este fim.

Já é estranho por-se nas mãos duma "empresa" algo que deveria caber ao Estado fazer. Se ainda é defensável que o pudesse fazer com mais eficiência do que o próprio Estado, no caso presente essa suposta eficiência vai pelo cano abaixo.

Se há um orçamento x que está ultrapassado com apenas metade do programa executado, será razoável pensar que no fim desse programa os custos seriam mais do dobro do planeado.

Podem até dizer que o programa foi alterado a meio por causa da imposição da escolaridade obrigatória até ao 12º ano. Mas fazendo uma continha rápida estão a dizer que o aumento em 30% de anos de escolaridade obrigatória significaria um aumento de custos dos equipamentos em mais de 100%?
Claro que a relação não pode ser tirada tão directamente mas ainda assim há um claro desleixo no controle do orçamento por parte da PE.

Constata-se que ao ser lançado em 2007 não havia qualquer preocupação com a derrapagem que, segundo Maria de Lurdes Rodrigues, só começou a ter um impacto severo em 2011. Ou seja, se não fosse a maldita ajuda externa, esta gente viveria muitíssimo bem com uma derrapagem de um orçamento em mais de 100%.

Dizem também que o custo por m2 não ficou fora do razoável. Então das duas uma:
Ou fizeram mal as contas no início ou construiram muito mais metros quadrados do que estava previsto.

E em qualquer dos casos o orçamento deveria ser revisto e a respectiva correcção devia ter sido formalizada. Coisa que não foi.

Obviamente que estes pequenos detalhes não passam em claro às entidades que fizeram as auditorias e a qualquer cidadão que se preocupe e que fale constantemente na derrapagem escandalosa das obras públicas.
Não há forma de não ficar chocado. Tanto mais que o Estado irá pagar rendas avultadas pelos equipamentos a esta Parque Escolar agravadas pelo facto de o financiamento ter sido feito com recurso a financiamento da banca. Mais endividamento numa espécie de PPP.
Que para não fugir à regra se afigura ruinosa como as demais.

A coisa vai ao ponto de a ex ministra ignorar todos os sinais de sub orçamentação e continuar a achar que o orçamento era suficiente.
Na altura, Sintra Nunes admitiu que, logo a partir de 2009, quando arrancaram as obras das primeiras escolas "toda a gente percebeu" que não seria possível atingir o objectivo inicial do programa, a recuperação das 332 escolas. Hoje, questionada por deputados do PSD, Maria de Lurdes Rodrigues desmentiu, garantindo "que nunca ninguém tomou a decisão de retirar escolas" do programa de modernização lançado em 2007.
Pelos vistos toda a gente percebeu, menos a ministra que por esta altura já não o era. Em face das evidências e de todos os sinais de que o dinheiro não ia chegar não se retiraram escolas do programa.
Assim se gere a coisa pública e assim se reage a sinais de alerta. Fuga para a frente porque o contribuinte há-de pagar. A realidade não se compadece com as necessidades de agenda política.
“O programa da Parque Escolar foi uma festa para as escolas, para os alunos, para a arquitectura, para a engenharia, para o emprego e para a economia”
Parece  que de facto o programa foi uma festa para alguma arquitectura e alguma engenharia.
Quanto à "festa" para a economia e para o emprego não me consta que o programa tenha tido um impacto muito acentuado. É sim, uma festa para os dinheiros públicos.
Segundo o Ministério da Educação e Ciências, nas 70 escolas que actualmente estão em obras já foram possíveis identificar medidas de correcção que permitirão poupar mais de 60 milhões de euros.
Com alguns cuidados e com alguma ponderação parece ser possível reduzir custos por escola, das que estão em obras , em perto de 1 milhão de euros por escola. Mais exactamente 857 mil euros por escola.
A ex-ministra lamentou também que nas escolas se “considere ser luxo o que não é considerado como luxo noutros espaços”. Maria de Lurdes Rodrigues respondia assim às observações de deputados do PSD e do CDS sobre a compra de 12 candeeiros de Siza Vieira, por 1700 euros cada, para uma das escolas requalificadas e a utilização de materiais nobres em várias instalações, que também é criticada no relatório da IGF
Esta é a ministra que tinha os pés na terra quanto a questões pungentes para o ensino. Como nós sabemos há abundância de dinheiro (aparentemente havia em 2009) e portanto há que dotar estes equipamentos de peças de qualidade. Porque não uns candeeiros de Siza Vieira? Porque não?


Por mais tentativas de spin que a Ministra queira dar à questão não há muita volta a dar a isto. De uma certa forma faz lembrar a loucura de Duvalier (Papa Doc) quando fez uma nova capital (DuvalierVille) num país miserável (Haiti).

Esta gente precisa mesmo que uma chamada brutal à realidade. Brincar com o dinheiro dos contribuintes tem sido claramente o passatempo destes desgraçados governantes.