Desgraças num país de rastos
E de entre algumas intervenções pragmáticas, outra informadas e outras completamente fora da realidade, há uma coisa que é mais ou menos constante - o queixume dos agentes imobiliários e o apelo à intervenção do Estado.
É sempre assim. Enquanto ganham rios de dinheiro querem benefícios fiscais e muito pouca regulação. Quando as coisas dão para o torto querem que o Estado, com o dinheiro de todos nós lhes dê uma mãozinha. Porque é que a minha fatia de contribuição para o Estado sob a forma de impostos não há-de ajudar empresas que estão num mercado livre e concorrencial a minorar os seus prejuízos? De repente viramos todos socialistas, foi?
Quando começou o boom imobiliário neste país, com a bênção do então 1º ministro Cavaco Silva adivinhava-se uma hecatombe. E ela não era difícil de adivinhar.
Bastava imaginar que a loucura de construir tudo em qualquer parte iria levar a dois resultados - construção a mais e destruição do parque urbano e até rural deste país.
Chegados a 2011 juntou-se-lhe o factor financeiro. O crédito associado a toda esta loucura está por um fio.
No entretanto a "indústria" fez biliões atrás de biliões. Facturou. corrompeu, fugiu aos impostos. Fez de tudo um pouco. Não há caso de suspeita de corrupção ao nível autárquico que não esteja ligada ao imobiliário. Não há PDM neste país que não tenha sido mudado para fazer um jeito ao imobiliário.
A banca, feliz pela oportunidade, facilitou até ao limite a aquisição de tudo isto. Juros baixíssimos, períodos alargados de carência de pagamento de juros, empréstimos acessórios para mobília e carro.
Com isto, e enquanto houve dinheiro, os lucros da banca dispararam até ao telhado. Atrás dela, todo o universo ligado ao imobiliário cresceu desmesuradamente. Havia mais agências de mediação do que mercearias. Eram tantas e com tanta casa para vender que o sector se tornou o 1º a movimentar dinheiro neste país.
Dinheiro que não era nosso e sobre o qual todos nós iríamos pagar um pesado preço.
A banca endividou-se com outra banca estrangeira. O estado endividou-se para fazer a sua parte de construção.
Pois chegou a altura de pagar. E quando essa altura chega é quase patético estar a dizer que o Estado devia "obrigar" a banca a prescindir dos seus lucros para sustentar a loucura colectiva que foi tudo isto.
As pessoas desculpabilizam-se da sua completa falta de lucidez ao terem comprado o que mal podiam quando tinham emprego. As agências lamentam-se porque os bancos têm tanta casa nas mãos que as leiloam a preço de saldo. As câmaras lamentam-se porque vão perder a receita do IMI e os Estado porque vai perder a receita do IMT.
Todos se lamentam. E lamentam-se da enorme porcaria para a qual contribuíram activamente.
Os efeitos perversos desta loucura perdurarão dezenas largas de anos. E não estou a falar dos efeitos financeiros. Estou a falar dos efeitos nos núcleos urbanos.
Os centros desertificaram-se com uma fuga massiva para as periferias. Os apartamentos novos nos limites das cidades atraíram os compradores que viam uma casa nova como algo de perfeitamente atingível. As casas de onde saíram ficam vazias. Irão degradar-se ao ponto de ruína. E os centros das cidades transformam-se em zonas desertas e decadentes.
Acontece em Lisboa de forma bem evidente e acontece em todas as cidades deste país. Em todas.
Ao haver só em oferta de novas habitações muito mais do que é necessário, imaginem o que há de oferta em 2ª mão. Há mais de uma casa por português. Se contarmos com as casas de férias, que a banca também financiava alegremente, o parque edificado deste país tem muito mais do que necessitamos.
Os efeitos perversos no mercado de arrendamento são óbvios. Esse mercado foi esmagado até se tornar numa coisa informe, sem expressão e completamente desregulado.
O impacto desta situação no emprego é tremendo. De acordo com uma estatística revelada na semana passada 4 em cada 10 desempregados vem do sector da construção.
São os trabalhadores de construção, de empresas ligadas ao sector (armazenistas, fabricantes etc etc) gente que trabalhava na mediação imobiliária.
De repente todo um sector é varrido do mapa, segundo dizem alguns.
Mas, a pergunta a fazer é: De repente?
Os que tinham mais visão e que eram chamados de velhos do restelo, profetas da desgraça e presenteados com outros mimos, diziam isto desde 1995. O que aconteceu nestes anos aconteceu nos anos 70 com a destruição urbana das áreas que circundam Lisboa, porto Setúbal. Levou 30 anos para repetirem a mesma asneira amplificada centenas de vezes. Com lucros amplificados milhares de vezes.
O "pato bravo" dos anos 70 que construia com dinheiros próprios deu lugar a um "pato bravo" tão sofisticado que já construia com dinheiro emprestado. E vendia a gente que pedia ainda mais dinheiro emprestado. Um prédio antes de vender era dum banco e depois de vender continuava a ser do banco. O "crime" perfeito quer para o banco que fica com uma simpática "renda" durante dezenas de anos, para o construtor que nem empatou o seu dinheiro e tirou um lucro que chega a ser obsceno e as mediadoras que iam buscar a sua fatia de 3 ou 4%. Quem se lixou com tudo isto? O tipo que já não tinha cadeira quando a musica parou de tocar.
O segredo aqui estava em não querer jogar o "jogo". Infelizmente muitos não conseguiram ter essa clarividência e quiseram entrar. Ficaram sem cadeira...
Quem se safou no meio de tudo isto? Os construtores que venderam a preços exorbitantes casas que não valiam um tostão e que nunca seriam vendidas se os compradores tivessem um mínimo de discernimento ou se o dinheiro lhes custasse.
Ganharam os bancos porque aliciaram as pessoas a comprometer-se para lá do sensato oferecendo juros ilusoriamente baixos e facilidades enormes.
As câmaras porque recebem IMI às carradas e o Estado que embolsou IMT de forma louca.
As mediadoras imobiliárias que cobravam alegremente as suas comissões.
Esperam sinceramente que aqueles que fizeram negócios fabulosos durante anos venham agora solidariamente ajudar os desgraçadinhos que se veêm numa situação dramática?
Esperam mesmo que a banca se rale com as mediadoras dando aos seus clientes o mesmo spread que dá aos que compram directamente ao banco num leilão?
Acreditam que a banca possa esperar 3 ou 4 anos sem cobrar coisa nenhuma à espera que as famílias que estão em maus lençóis recuperem a sua capacidade de pagar as casas onde vivem?
Meus caros.
O Estado pode regular a actividade bancária da banca privada. Não pode no entanto impor à banca privada que arque com prejuízos só porque toda a gente se furtou à suas responsabilidades.
Isso não vão conseguir fazer nunca.
É dever de cada um quando se endivida a 40 anos, perceber que num espaço de 4 ou 5 anos pode acontecer uma desgraça. É responsabilidade de cada um entender que não é pelo facto de um negócio paracer muito bom que se é forçado a fazê-lo.
Todos se desresponsabilizam hoje de todas as péssimas decisões que tomaram.
A bem dizer, eu que vivo numa casa arrendada porque nunca quis dar o salto para endividar os meus filhos, não estou com vontade nenhuma de ajudar a pagar as loucuras daqueles que o fizeram.
Não vejo com bons olhos que seja a formiga a pagar as loucuras da cigarra.
Usarem dinheiros públicos para acudir a um sector que se encheu de dinheiro durante décadas e que, sempre que pode, se furtou a pagar os impostos devidos é inaceitável. Não, Não e Não!
O mercado livre tem regras, defeitos e virtudes. Se conseguirmos operar com essas regras pode viver-se sem grandes problemas.
O que não se pode é querer a parte boa do mercado livre quando estamos na maior e querer mudar as regras quando estamos por baixo.
Nisso o mercado é implacável e o Estado não tem de meter o bedelho na forma como uma empresa privada é gerida.
A tentação que o português tem de olhar para o Estado paternalista que lhe vai resolver o problema é incrível, passados tantos anos desde o 25 de Abril.
A cada coisa que acontece há sempre alguém a dizer que o "Estado devia ..:".
Pois o Estado não devia. Se achamos que devia, também temos de achar que o confisco quase pornográfico dos rendimentos no nosso trabalho é justificável. E não o é.
E não o é porque ao contrário de um país decente em que a carga fiscal paga os serviços de que os cidadão usufruem, neste paizinho desgraça isso não acontece.
Os que ganham alguma coisa para poder pagar impostos pagam depois as taxas moderadoras, as tarifas energéticas mais caras etc etc etc.
E pagam tudo isto para que os outros possam usufruir e também para alimentar toda a prasitagem que vive à volta do Estado.
Para pagar maquinistas caprichosos que fazem greve porque estão aborrecidos, para pagar uma televisão pública que emite programas para mentecaptos com "estrelas" pagas a peso de ouro.
Para pagar o carrito do Dr. Mário Soares e do Dr. Sampaio que em vez de desaparecerem de uma vez, não perdem uma oportunidade para me lembrar que o dinheiro que eles gastam dos nossos impostos era muito melhor aplicado a dar a quem precisa.
Para haver dinheiro apara acudir a toda esta gente que quer uma almofadinha para quando cai mal, alguém tem de o dar. Ou melhor, têm de o TIRAR a alguém. E francamente eu prefiro que quem cometa os erros os pague.
Estou já bem farto de pagar os erros dos outros a ainda ser apontado a dedo porque levo uma vida modesta para aquilo que poderia levar.
Não fui estúpido, não fiquei ofuscado com o brilho das luzes e enquanto os outros esbanjavam alegremente eu poupei. Não fui de férias a crédito Punta Cana nem a Porto Galinhas. Não fui comprar o SUV da moda nem o carrinho xpto com jantes de 19".
Não estive na bicha para comprar um iPhone. Não fui a todos os Rock In Rio, Optimus Alive e outros que tais. Não estafo 30 Euros por mês em Sport TV, em Telecines e tretas semelhantes.
Há gente a declarar insolvência nos tribunais que acha que estas coisas são bens de 1ª necessidade. Mas não conseguem pagar as contas.
Eu cumpri as minhas obrigações. Nunca faltou nada em casa.
O que é fundamental foi sempre assegurado.
Os meus filhos estudaram e conseguiram entrar em Universidades públicas de prestígio. porque tinham notas para isso. E tinham notas para isso porque em casa sempre foram incentivados e ajudados a ser bons alunos. Nunca foram premiados pelos erros. Foram sempre pelos sucessos.
Não precisaram de ir para uma Universidade privada tirar um cursito de trampa em troca de milhares de Euros de propinas anuais com uma perspectiva segura de desemprego.
Nunca houve o supérfluo. Se é supérfluo bem pode faltar.
O que toda esta gente achou é que o supérfluo se tinha tornado imprescindível. E eu não estou para pagar isso.