O triturador

Não sei se há mais gente com a mesma sensação que eu, mas neste caso das "secretas" confesso que tenho a tentação imediata de dizer "não percebo nada disto".

Mas numa análise mais aturada há algumas coisas que percebo. O ruído está pensado para que nós não percebamos nada disto. Mais, noto que há um tentativa deliberada de ligar coisas que podem não ter qualquer ligação no sentido de amplificar esta sensação de ruído ensurdecedor pensado para que a maior parte das pessoas diga "não percebo nada disto".

A primeira coisa que falta aqui é cronologia. Quando é que estas coisas aconteceram e qual a sua sequência é extremamente importante. Mas isso é completamente omitido. A confusão serve perfeitamente o propósito. A demissão do ministro para cessar a "confusão".

Põe-se um dilema sério a Passos Coelho. Demitir só para cessar tudo isto ou não demitir e resistir aquilo que cada vez mais soa a campanha deliberada de desinformação.
Com a 1ª opção nem é liquido que o ruído cesse. Ainda nos lembramos bem de casos que nunca o foram e que são hoje citados como se de verdades insofismáveis se tratassem. Vem-me à memória o caso das declarações de MFL sobre a suspensão da democracia que foram completamente distorcidas e são hoje citadas por imbecis como Adão e Silva entre outros. Passou a ser verdade.

Mas neste caso Relvas as subtis insinuações já não são assim tão subtis.

Um par de exemplos...

A saída de Teresa Morais do lugar que ocupava (conselho de fiscalização do Sistema de Informações da República) para um lugar de secretária de Estado de Relvas é insinuado na SIC como tendo sido o resultado de pressões do "super" espião.

Aparentemente a cronologia interessa aqui.O SMS é de Junho de 2011. O governo já está formado mas faltam ainda os secretários de Estado. o "super" espião trabalha na Ongoing.
A SIC insinua claramente que a promoção de Teresa Morais a um lugar de Sec de Estado seria uma aceitação da sugestão de Silva Carvalho. A nomeação parte de Passos Coelho. Não é de todo linear que uma coisa tem a ver com a outra. O curioso é que ficamos sem saber se o seu substituto foi do agrado de Silva Carvalho que como se sabe já não fazia parte das secretas.
Mas se as tentativas de colar as sugestões de Silva Carvalho a acções de Relvas não tinham pegado (as ditas sugestões para pessoas que deveriam ficar em certos lugares) com esta insinuação tenta-se a causa/efeito no caso de Teresa Morais.

O dossier sobre Balsemão terá sido encomendado por Silva Carvalho, já a trabalhar na Ongoing, a um ex membro das secretas. Aparentemente para ser usado na guerra entre grupos empresariais. A tentativa de ligação deste dossier a qualquer ministro Relvas é no mínimo far fetched. Mesmo que os dois se dessem muito bem, a probabilidade de haver alguma ligação é forçar a coisas para lá do razoável.
Não sei o que diz o dossier sobre Balsemão nem me interessa, mas certamente ele não é flor que se cheire e tal como Silva Carvalho sempre gostou de estar bem com Deus e com o Diabo. Se num outro grupo de media lhe queriam fazer "a folha" tenho a certeza que não é nada que ele não tivesse feito já a outros. Não se fica podre de rico como Balsemão sendo muito correcto e bonzinho.

Todos os dias se atiram achas deste tipo para a fogueira. Os noticiários e os jornais perdem uma boa metade dos noticiários a tentar colar estes casos espaçados no tempo e sem aparente relação com o nome do ministro.
Aliás, a explosão do próprio ministro com a directora do Público é resultado já deste tipo de estratégia dos media. Andam há semanas entretidos em tentar apanhar Relvas em contradições e a tentar colar todas as actividades de Silva Carvalho à sua pessoa.


A coisa vai ao ponto de Marinho Pinto dizer que é grave espiar um ex 1º ministro. Estou de acordo com ele, mas suponho que a coisa tem de ser apurada junto da Ongoing. Não percebo bem o que é Relvas tem a ver com o assunto. Pode ter e pode não ter, mas por esta altura já haverá muito boa gente a pensar que Relvas mandou espiar Balsemão.

O ruído já está a chegar ao ponto em que baronetes do PSD começam a meter a sua colherada. Capucho que devia ficar a descansar o seu coraçãozinho doente já veio dar a "facada" de "apoio" ao 1º ministro e a Relvas.
Capucho fez recentemente isto "António Capucho abandona militância e critica falta de interesse de Passos Coelho".

Depois disto é legítimo pensar que Capucho está mais interessado em fazer "sangue" do em ser útil. Capucho está profundamente despeitado. Não suporta que Passos Coelho não lhe dê a importância que ele acha que merece e isso, bem sabemos, é terrível para o ego da maior parte das pessoas. Capucho incluído.
É até estranho que alguém que anuncia o abandono da militância, que recusa o lugar de Vice Presidente da Assembleia e sai da Autarquia de Cascais por razões de saúde venha agora meter a colher a este nível político. O principal ponto de discórdia é precisamente a extinção de freguesias. De quem é o pelouro que está a tratar disto? I rest my case.

Marcelo diz que Relvas ficará "meio morto" se permanecer no Governo. Não conhecêssemos nós Marcelo e até pareceria que ele está muito preocupado com o facto. A verdade é que ele também não morre de amores por Relvas e quando há confusão no bordel as putas acabam a puxar o cabelo umas à outras.

O mais fascinante disto é que começamos agora a falar da "imagem" do governo.
Não é a substância é a "imagem". Pouco importa se estão a fazer um trabalho que leva à recuperação da confiança perdida pelos nossos parceiros ou se, apesar de muito sofrimento, conseguem por o país num caminho de recuperação económica. O mais provável é que sacrifiquem Relvas por uma questão de imagem.

O que decidir? Seria ridículo eu dar a minha opinião. Até porque Relvas me desagrada. Mas é pelo facto de me desagradar que me sinto mais à vontade para tentar encontrar em tudo isto as razões da sua destruição.
Não há só uma razão. Uns porque não gostam dele pessoalmente, outros porque desdenham de quem está hoje num lugar importante do PSD, outros porque adoram demissões (i.e. Bloco e PCP) e outros apenas porque sim.
A minha previsão é de que o barulho seja tão alto que Relvas acabe a ser triturado apenas para apaziguar a multidão sedenta de sangue.
E é uma pena. Um político devia sair quando há alguma coisa de substancialmente errado ou grave naquilo que fez ou faz. Não por estes motivos.

Para o povo basta pão e circo. Se o pão escasseia dá-se-lhe circo em abundância. E isto é circo do mais fino recorte. Um jogo de espelhos em que a confusão é deliberadamente pensada. As relações entre as várias coisas será na melhor da hipóteses ténue, mas os media tudo fazem para que no meio de tanto ruído se comecem a desenhar relações entre factos que provavelmente não existem.
Isto alimenta a notícia e a notícia alimenta-se disto.

Para um povo distraído e alienado (veja-se o aumento de gente nos estádios e as adesões absurdas aos eventos como o Rock in Rio) este tipo de comunicação cai como sopa no mel.

Macacos me mordam se isto não é deliberado. Não é possível ser tão confuso e tão pouco rigoroso a dar notícias se o objectivo não for este.
Na SIC Notícias a peça realçou o qualificativo de "chata" de Teresa Morais pelo menos 3 vezes. Bastava uma ao revelar o teor do SMS. Mas eles vão mais longe e pretendem reforçar a ideia para que fique Teresa Morais = chata.

Este tipo de estratégia de comunicação não é novo. Foi usado e abusado por Sócrates. Em seu favor muitas vezes e muitas outras para destruir a resistência de classes profissionais inteiras. Magistrados, professores, médicos. Notícia diárias, com números enviesados ou simplesmente falsos, que às tantas já nem dá para desmentir. Enreda-se o "inimigo" num bombardeamento de falsidades e de meias verdades e depois não se lhe dá tempo para responder. E se lhe for dado, as perguntas são feitas em tom acusatório para o colocar permanentemente à defesa. E um inimigo à defesa parece que está sempre a tentar ocultar a sua culpa.

Alguns vêm isto, outros não. Outros vêm mas são de tal forma parciais na apreciação que recusam olhar para as coisas com imparcialidade. O veredicto está feito à partida. Mesmo que as entidades se pronunciem no sentido de ilibar Miguel Relvas das acções de Silva Carvalho (parece-me perfeitamente plausível), serão elas próprias a ser acusadas de estar no bolso do poder.

Perante uma coisa destas não há maneira de ganhar. Esta é a vantagem de ter os media na mão e é por isso que o poder tenta sempre o seu controlo.
Mas no momento presente os media estão completamente cheios de boys e simpatizantes. Por uma bola destas a rolar com o nosso panorama mediático é facílimo.

O camarada torneiro mecânico até já vem insinuar que Passos Coelho deve explicações sobre este assunto. Aquilo que o PCP e BE não conseguem nas urnas tentam por outra via.
Os julgamentos fantoches do Estalinismo (Bukharin, Zinoviev e Kamenev)  ainda estão bem presentes na memória destes camaradas. Como método a seguir, não a repudiar.