O caso Nuno Santos, ou como culpar o governo de tudo o que acontece

Na confusão em que vivemos é muito fácil perder o Norte. Mais ainda quando a imprensa não contribui nada para tornar as coisas claras. Pelo contrário, perece que prefere confundir, baralhar e com isso obter algum resultado.

O caso Nuno Santos é emblemático desse ponto de vista.

Nuno Santos terá alegadamente dado acesso as forças de segurança para visionarem as imagens da manifestação em frente à AR.

Quando isto veio a lume, entre desmentidos e acusações não se percebia quem afinal tinha dado essa autorização. A coisa estava nebulosa e nebulosa ficou.

De acordo com o Correio da Manhã
Alberto da Ponte informou ainda que "o conselho de administração da RTP entende que não há motivos para abertura de um processo disciplinar" a Nuno Santos, director de Informação, por ter autorizado a PSP a visionar imagens ‘não editadas' dos incidentes de 14 de Novembro frente à Assembleia da República, mas como consequência deste processo e com base no inquérito, decidiu "a exoneração de toda a direcção de informação".
Ou seja a única consequência seria a exoneração da direcção de informação. Nuno Santos ficava na RTP mas deixava de ser director de Informação.

Mas Nuno Santos foi depois convocado a prestar esclarecimentos numa comissão da AR.
E aí abriu a boca para lá do que é sensato. Entre outras coisas disse que quem não estava interessado em trabalhar com a administração da RTP era ele.

Em linhas gerais chamou-lhes pulhas refinadamente. Com razão ou não. Até acredito que tenha razão.

A administração da RTP levantou-lhe um processo disciplinar por essas declarações. Não foi pela sua opinião, foi por essas declarações que mesmo sendo a sua opinião são de alguma forma pouco aceitáveis da parte de um trabalhador para com o seu empregador.
Quantos trabalhadores poderiam dizer isto na cara do seu empregador ou declará-lo publicamente num meio de comunicação sem esperar alguma espécie de acção da outra parte?

Depois deste processo disciplinar, Nuno Santos pediu esclarecimentos à presidente da AR par saber se as suas declarações estavam abrangidas por uma qualquer imunidade. Ao que lhe foi dito que não estavam.
Ele podia ter requerido audição à porta fechada mas não resistiu ao espectáculo e quis ter os media a divulgar as suas declarações.

Resulta do processo disciplinar o seu despedimento.

E agora vai para a justiça contestar esse despedimento.

O que é curioso é que o Público tem um artigo em que chega a transcrever as declarações de Nuno Santos em que diz que foi despedido por "delito de opinião que está banido da ordem jurídica desde 1976".
O mesmo artigo tem um link para a notícia do pedido de esclarecimentos à presidente da AR mas omite um link para um artigo no mesmo jornal em que Assunção Esteves esclarece que não há imunidade aos depoentes mas que eles podem requerer audição à porta fechada (coisa que Nuno Santos não fez porque achava que os julgamentos mediáticos são a solução que lhe permitiria safar-se).

O fascinante de tudo isto é que agora se culpa o Governo deste despedimento. Em primeiro llugar culpava-se por usar meios públicos para exercer repressão policial e perseguir os "manifestantes" e agora culpa-se o mesmo Governo do despedimento do indivíduo que supostamente os ajudou a perseguir os "manifestantes".

Para já isto é o que aparece nos comentários ao artigo de jornal e não se espera que seja gente muito inteligente a fazer estas deduções. mas a verdade é que o artigo de jornal, que podia esclarecer estabelecendo uma simples cronologia, não esclarece e limita-se a veicular a opinião de Nuno Santos como se de um facto indesmentível se tratasse.

Caso o processo disciplinar esteja mal fundamentado ou pura e simplesmente mal feito (coisa que não é rara) o tribunal pronunciar-se-à em favor de Nuno Santos.

Mas até ver, uma pessoa que diz o que disse do seu empregador de forma pública e amplamente divulgada, dificilmente se safa. A fundamentação do processo disciplinar nada tem a ver com opinião, muito menos com delito de opinião.
Tem a ver sim com a quebra da confiança que resulta de um trabalhador se virar para o empregador e dizer que não quer trabalhar com ele.

Foi estúpido na sua tentativa de trazer para o mundo mediático aquilo que deveria ser tratado com algum cuidado. Foi vitima de si próprio e da sua necessidade de palco.

Boa sorte para ele.

Leitura adicional :
O folhetim RTP ou como culpar alguém de uma coisa e do seu contrário
The Stupid Has Awakened