Uma pequena reflexão sobre a crise e outras coisas

Por esta altura já devem ter percebido o meu desencanto com um país que pensei, há muitos anos trás, que poderia ser um sítio ideal para se viver e ter um futuro.

Francamente pensei isso com a entrada de Portugal para a CEE. Acreditei, talvez por inocência, que iríamos ficar a parecer-nos com um país civilizado, livres da endémica pequenez das mentalidades e capazes de nos afirmarmos na Europa no meio dos melhores.

Cedo percebi que a proverbial "esperteza" saloia dos portugueses iria levar a melhor. Com a enxurrada de dinheiro que todos os dias chegava a Portugal começou o desbarato.
Passou-se do dinheiro suado ao dinheiro fácil. As empresas surgiam por todo o lado como cogumelos e havia sempre um "fundo perdido" ao qual de podiam candidatar.

O Estado dava o mote. Começava a apostar em infra estruturas em falta e começava a caminhar a passos largos para a hecatombe que hoje vivemos.
Para agradar ao "eleitorado" distribuía cegamente (e se calhar não tão cegamente assim) o dinheiro que não tinha custado a ganhar.

Lembro-me de pensar pelos idos anos 90 que a CEE iria um dia chegar para cobrar a factura. Medir o nosso sucesso na aproximação e que nessa altura todos os gastos sumptuários iriam tornar-se evidentes.

Portugal "sacava" a um nível nunca visto. Os sinais exteriores de abundância eram incríveis. Os carros, o boom salarial, a tecnologia começavam a entrar pelas nossas vidas a dentro como se fosse uma coisa impossível de parar.
Começou nessa altura a esquecer-se que os que trabalhavam tinham direitos. Começou-se nessa altura a fazer passar a ideia de essa coisa das horas extraordinárias eram uma coisa do "socialismo" e que o esforço desmedido no trabalho já era suficientemente compensado.
Ainda assim havia alguma segurança. Apesar de muitos patrões e gestores adoptarem uma atitude muito americana do "arrume as suas coisas, está despedido" eles sabiam bem no fundo que isso não passava dum teatro. Que a prova de justa causa e a possibilidade de irem para a tribunal numa situação dessas era uma realidade.
Havia as rescisões por mútuo acordo em que quase nunca se ficava com a indemnização mínima. Havia ainda uma certa noção de que um trabalhador caro não era igual a um barato. O saber não era igual em todas as pessoas.

Hoje isso parece estar esquecido. Hoje as coisas reduzem-se a um simples raciocínio: Se posso ter um tipo a trabalhar sem direitos por 800 Euros por mês, porque tenho um a 2000?
E os "patrões" têm tido esta atravessada, não só pela sua incrível curteza de vistas mas também porque a sua ganância interminável não os deixa ver mais longe.
As empresas tornaram-se sítios onde os cargos de direcção traçam a linha entre os que têm todos os direitos e vantagens e os que trabalham precariamente e não têm direito a quase nada. Nem à garantia de que um bom desempenho significa a manutenção do lugar.
Esses estão sempre sujeitos à cotação do dia e podem muito bem ser dispensados em troca de alguém mais barato.

O abaixamento das indemnizações por despedimento que está em cima da mesa vem facilitar aquilo que faltava - Despedir trabalhadores com direitos e maior antiguidade de forma mais barata para um potencial preenchimento de lugares por gente mais barata e mais dócil.

Algures pelo meio entre os empresários e gestores de topo está toda uma massa de directores intermédios sem escrúpulos ou apenas receosos de que um dia o dedo aponte para eles, que põem em prática estas ideias ditadas pela infinita ganância de quem está acima.

Falam de condições da economia, mas ao mesmo tempo que fazem isto não se coíbem de se aumentar plafonds de cartão de crédito ou de aumentar o valor do renting dos seus automóveis para poder comprar o almejado Mercedes ou BMW série 5 (que agora está mesmo "giro").

O resultado final do ponto de vista de gastos acaba por ser igual, ou até maior depois da entrada do novo Código Contributivo que agora passa a onerar as despesas com as viaturas de "serviço" com segurança social por parte das empresas.
Mas do ponto de vista do custo do trabalho, ele decresce. A boa saúde das empresas do ponto de vista financeiro corresponde a uma pior saúde financeira dos trabalhadores. A ausência de direitos, a precaridade do trabalho e a exposição a todas as arbitrariedades destes gestores e patrões.

As decisões políticas parecem ser feitas à medida de um pequeno grupo em vez de por a economia ao serviço de todos. De que serve um país "próspero" quando só uma pequena parte da sua população pode disfrutar dessa prosperidade?
De que serve o conceito redistributivo da fiscalidade se de cada vez que é preciso distribuir a quem mais precisa se diz que não há dinheiro para isso?
Para que faço eu o esforço de pagar os meus impostos se não for para isso? Não é certamente para pagar o que o Estado me dá em troca.

A saúde tem de ser assegurada por seguros que pago, a escola dos meus filhos é paga por mim. As estrada melhores são pagas a concessionários, as taxas e impostos municipais não se transformam em serviços que a autarquia me dá. As ruas estão arruinadas, a iluminação pública em estado miserável, o mobiliário urbano destruído ou inexistente e ainda sou ameaçado por um tipo de fato de macaco que está com o livrinho das multas na mão à frente do meu carro há 10 minutos à espera da hora em que o ticket do parquímetro expire.

Porque raio afinal quer um país ter algum grau de riqueza? Se não for para todos terem melhores condições de vida e aliviar as necessidades dos que não podem trabalhar ou que tiveram um azar na vida perdendo o emprego ou até vitimas de doença, para que raio pagamos, eu e todos nós, os nossos impostos?

A resposta é fácil. Para dar mais a quem já não precisa. Para o estado dar contratos leoninos a empresas que depois garantirão emprego aos governantes que lhes deram negócios.
Duma certa forma estamos a pagar um fundo de desemprego. O dos políticos que depois saltam para as empresas que tanta gratidão lhes devem.
E se há uns anos havia dinheiro para isso e para o resto da população, hoje o bolo é menos e é preciso cortar nalgum lado.

E a fatia menor do bolo não será certamente para quem decide como estas políticas são postas em prática.


A coberto da crise tudo conseguiram fazer. Conseguiram que as pessoas olhem para quem ganha 1500 euros como um sacana a a abater.

E esta manobra de diversão faz com que as pessoas esqueçam onde o nosso dinheiro é realmente mal gasto.


Na verdade a austeridade só afecta aqueles que nada fizeram para a merecer. Os que sempre viveram faustosamente à custa da coisa pública nunca sentirão estas dificuldades. E foram eles precisamente com a sua ineptidão e má fé que causaram tudo isto.
O Estado desbarata milhões em negócios ruinosos. Mas ao serem ruinosos para o Estado são muito lucrativos para a outra parte. E a dada altura esses "favores" serão pagos. Podem passar 5 ou 10 anos mas serão. Temos alguns excelentes exemplos disso.

Já nem se ralam em parecer sérios. Perdido por um , perdido por mil.