Irreflexões

Uma das manias nacionais parece nunca perder força. É a maldita mania de abrir a boca sem pensar, de insultar gratuitamente, de argumentar como um atrasado mental.

Eu que não tenho o Facebook em grande conta deparo-me com este tipo de atitude no meu mural repetidas vezes.
Passamos a ser um país que se expressa por Facebook. Convocam manifestações, metem os salários chocantes de certos personagens, indignam-se digitalmente e insultam digitalmente. Basicamente poluem os murais uns dos outros com trivialidades, boçalidades numa forma de apaziguar a sua falta de acção real.
Um grande viva para o nível mais sofisticado de alienação a que uma sociedade pode chagar. Ser uma sociedade "Facebook".

Vem isto a propósito de um artiguito (é mesmo muito pequeno na edição online) do Correio da Manhã sobre o julgamento de Charles Smith e Mauel Pedro para quem o MP pediu a absolvição.

Não é fácil fazer distinções e saber detalhes nestas coisas da justiça mas ao menos seria bom que quando as pessoas começassem a emitir a sua mais que supérflua e desinformada opinião percebessem ao menos do que estão a falar.

O caso Freeport começou quando Charles Smith revelou que a promotora do Freeport tinha pago luvas a um político num alto cargo governamental. Estava em causa um relatório de impacto ambiental que era desfavorável ao empreendimento.
Mas tinha sido proposto um pagamento para "resolver esse problema". O destinatário desse dinheiro era Sócrates , ministro do Ambiente à data dos factos.
O que se passou nos jornais foi o que se viu. Nas televisões levou à saída de Moura Guedes da TVI.

E pasme-se, Sócrates acusou Charles Smith de ter usado o seu nome para extorquir o suposto dinheiro de luvas ao promotor do empreendimento. Falta saber como é que sendo Charles Smith a ficar com o dinheiro, o estudo de impacto ambiental se teria transformado magicamente de desfavorável em favorável. Mas isso é apenas um pormenor.

Assim, Smith e Pedro vêem-se em tribunal acusados de extorsão. Não de corrupção ou de outra coisa qualquer. De extorsão. De terem extorquido dinheiro à promotora do empreendimento usando o nome de ministros autarcas e outros para dar mais "credibilidade" à coisa.

Durante o julgamento foram saindo detalhes acerca dos envolvidos, de quem recebeu e como o recebeu. A forma como o dinheiro era entregue a outros implicados na teia de corrupção até chegar a Sócrates.

Com tudo isto parece ser improvável que tenham sido os arguidos a "usar" o nome de Sócrates e de outros para ficar com o dinheiro para si. Assim o crime de extorsão fica longe de ser provado.

O que nos leva imediatamente à seguinte questão: Se eles não extorquíram o dinheiro ao promotor para si próprios, então foi de facto para dar a outros. Porque se confirma que esse dinheiro foi pago de facto. Quando começa o processo que envolva esses "outros" como arguidos?

Neste caso a absolvição de Smith e Pedro do crime de extorsão não é mais do que a correcta aplicação da justiça. Eles foram intermediários de dinheiro recebido por corruptos. Eles serão quando muito participantes num crime de corrupção tendo sido os responsáveis pelo transporte e entrega do dinheiro.

O que aborrece de sobremaneira é que a maior parte das pessoas tem um entendimento completamente errado destas questões. Acham que o que está em julgamento é um caso de corrupção e bradam pela acusação de quem quer que seja. Pouco se importam se os acusados o estão a ser por uma utilização abusiva do sistema de justiça. Ter corruptos a acusar outros de terem usado o seu nome para se aproveitar pessoalmente da situação é um abuso do sistema.

Não deve haver muita gente que acredite na história de Sócrates de que ele nunca esteve envolvido e que foi tudo uma maquinação de Smith e Pedro para ficarem com o dinheiro do suborno.
No entanto ficam furiosos e pedem a condenação deles? Só porque precisam duma imolação pública para apaziguar a sua sede de "justiça"? Mesmo que os acusados desses crimes não os tenham cometido?

Cada vez fico mais agradecido por a justiça estar entregue a gente que pelo menos sabe o que está a fazer. Nem todos os juízes serão brilhantes ou competentes, mas certo certo é que o homem da rua não passa dum imbecil em questões de justiça. Deixar a esta turba acéfala a aplicação da justiça resultaria num genocídio.

Num país a sério com um MP que não estivesse manietado o que resultaria desta absolvição seria a abertura imediata de um processo para acusar e condenar os corruptos. Os seus nomes foram referidos e confirmados por várias testemunhas. Todos sabemos quem são e qual o destino de uma parte, porventura pequena, desse dinheiro - os cofres partidários. O resto, o grande bolo foi para os seus bolsos. Dizia alguém que conhecia bem o mundo dos "angariadores" de "fundos" que eles ficavam com a maior parte do dinheiro angariado. Ao partido chegava apenas uma pequena parte desse valor.
Não é por acaso que há fortunas meteóricas no meio político. Não é por acaso que gente que não tinha mais que a roupinha que trazia no corpo há dez anos atrás se passeia hoje em carros de luxo, tem casas "emprestadas" fantásticas e passa férias em destinos de sonho. Quase tudo pago por beneméritos que possuem umas quantas contas off shore.

Uma das razões prováveis para a grave desinformação à volta deste julgamento resulta directamente da forma estranhamente omissa como a imprensa de referência noticiou o caso e o julgamento. O único jornal que foi trazendo informação foi o Corrreio da Manhã. Mas como seria de esperar os fracos jornalistas e fraco entendimento do que é o jornalismo leva o jornal a fazer um título que diz "corrupção sem culpados", MP pede a absolvição de Pedro e Smith, confundindo ele próprio o crime em julgamento com um crime de corrupção e as consequências dessa mais que óbvia e justa absolvição.
Quando um jornal é um jornal de trampa não consegue sequer ser sério quando tema oportunidade de o ser. No Correio da Manhã deve haver uma espécie de supervisor que transforma aquilo que podia ser uma notícia potencialemnte séria numa coisa mais consentânea com o seu baixíssimo nível.

Quanto ao Expresso e ao Público nem há muito a dizer. Só a constatação da sua mais que óbvia auto castração e cedência a certos sectores do PS e outros ainda mais à esquerda. No Expresso e no Público deu-se lugar aos eunucos informativos.
Pode ser que cantem bem. Os castratti eram eram verdadeiras estrelas.