O Facebook e as manifs

Tornou-se moda convocar "coisas" no Facebook.
Um lesto cidadão tem convocado manifestações semanais para exigir a demissão de Miguel Relvas. Alegadamente por causa das suas habilitações falsas.

Do ponto de vista da cidadania responsável é um gesto meritório. Não devíamos ter gente nos mais altos cargos do país com habilitações dadas por favor. Estou inteiramente de acordo com ele.

O problema, e é só um pequeno problema, é quem é este cidadão e porque é que ele é tão "vocal" nesta cruzada contra as habilitações falsas.

E aí é que começa a minha comichão. E é aí que eu percebo porque é que houve um silêncio cúmplice quando apareceram os casos de Sócrates ou Vara.

Este cidadão desinteressado é cineasta. E como todo o bom cineasta que se preze deste país só consegue exercer a sua "arte" se o Estado a pagar. Assim foi com o seu documentário mais conhecido "José e Pilar". Financiado numa altura em que estava o PS no poder. Obviamente que o cineasta nunca viria para a rua exigir a demissão de quem quer que fosse ligado ao Governo ou ao PS. Não se morde a mão que nos alimenta.

Estou perfeitamente de acordo que se financia a cultura. Também acredito que os cineastas deviam ter a preocupação de cativar públicos para suplementar com receitas de bilheteira aquilo que o Estado já ajudou a criar. Que ajudamos todos nós.
Na esmagadora maioria dos casos não é assim. Os cineastas acham que a arte não se compadece com o "gosto" do público e como tal querem ser livres dessas restrições criativas. Querem, em suma, fazer o que lhes dá na gana e ser pagos por isso.

E no actual estado de coisas não deixa de ser curioso que os que bradam pelos desfavorecidos queiram ao mesmo tempo umas dezenas de milhar de Euros para realizar um "projecto" que cai no esquecimento na semana seguinte.

É muito pouco credível que esta ânsia de ver Relvas fora do lugar tenha alguma coisa que ver com os nobres princípios que este cineasta defende. Se assim fosse já tínhamos ouvido falar dele quando houve graves atropelos à seriedade e honorabilidade dos nossos governantes.
E não ouvimos porque uma assinatura desses mesmos governantes significariam para ele o seu sustento. Que se lixem os princípios não é caro Miguel Gonçalves?

Bem ao contrário de ser uma iniciativa séria e de cidadania responsável, este tipo de manifestações são precisamente o contrário daquilo que afirmam.
São a defesa de interesses pessoais, o aproveitamento de casos para uma luta política que não se assume e usa pretextos e apoio de gente que é movida por uma mesma ideia.

O que é absolutamente contrário aos princípios democráticos.

Esta gente achou bem que um caso em tudo semelhante, se não pior, passasse sem averiguação e sem castigo. Os criminosos da nossa cor podem fazer tudo. Os criminosos da outra cor não podem sequer espirrar.

Mas a esquerda, desde a moderada à mais radical sempre se caracterizou por duas coisas:
Uma enorme incompetência governativa
Uma enorme intolerância quanto à escolha da maioria se ela não recair em si.

Miguel Gonçalves Mendes pode ganhar todos os prémios de cinema deste mundo. Mas é aquilo que é. Alguém que sente a falta do dinheiro  dos cidadãos, pago com sacrifícios, para o sustentar a si a à sua arte.
Não conheço a obra. Mas por estas atitudes começo a conhecer o homem. E não gosto do que vejo.

Às vezes é preciso fazer um esforço para não ceder à tentação de ver o mal só nos nossos adversários. Miguel Gonçalves claramente não se esforça. E isso define-o.