O abrandamento

Tenho receio do que possa acontecer com a saída de Gaspar.

Não porque não acredite na capacidade da sua sucessora, mas porque acho que o atirar da toalha de Gaspar é o sintoma de um problema muito português - o não mudar nada.

Quer queiramos quer não, os governos têm a péssima tendência de ceder mesmo naquilo que é crítico. Assim o foram fazendo desde o 25 de Abril com os resultados inacreditáveis que temos hoje.

Foi Cavaco a encher o país de modernidade com dinheiro dado, foi Guterres a seguir pra não se ficar atrás. E foi Sócrates com o seu projecto de poder tentacular.

Nada do que era realmente importante se fez. Nunca se pensou este país a 10 anos sequer.
Perante a anunciada obsolescência dos nossos sectores económicos o país respondeu com uma transformação num país de serviços. Sem qualquer valor acrescentado. Virado economicamente sobre si próprio deixou que todos os deficits possíveis e imaginários crescessem a níveis incomportáveis.

A cada pressão, os governos vão cedendo a todas as corporações. A firmeza de convicções e a noção da própria sobrevivência em causa nunca foi uma barreira para deixar aos seguintes a resolução do problema.

A Gaspar caiu-lhe nas mãos um país de rastos. A semanas de não poder pagara salários à função pública e com uma imagem internacional digna de uma república das bananas.
Incumpridor, gastador e ínutil. Portugal estava no ponto mais baixo do seu prestígio desde o período revolucionário de triste memória.

Fazendo as contas era evidente que qualquer ministro das Finanças tinha de ser impopular. Calhou a Gaspar. Mas não seriam todos a ter a firmeza de implementar essas medidas. Desde os primeiros dias de austeridade que Gaspar ficou na mira de todos. Da oposição e do próprio partido.

As personagens mais insuspeitas andaram meses a desancar Gaspar. Até gente que desistiu em situações muito melhores e que devia ter noção do que era a tarefa que Gaspar tinha em mãos. Bagão Félix. Ferreira Leite. Os mesmos que hoje falam de redução da despesa e que quando estiveram no lugar não a reduziram em nada. Aplicaram exactamente a mesma receita - impostos.

Neste dois anos muita coisa aconteceu nos gastos do Estado. A imprensa mal fala disso ou tem meras notas de rodapé.
Pouparam-se dezenas de milhões de Euros anualmente trazendo num país com o PIB em retracção o deficit para valores muito diferentes daqueles que foram em 2010 e anteriores.

Há quem diga que as reformas podiam ter ido mais longe. É verdade. Mas não me parece que o sentimento na oposição e no PSD seja o de que a ministra as consiga fazer.
Duvido muito que tenha o apoio de quem quer que seja para continuar a obra de Gaspar. Espera-se dela o que se esperava da sucessora de Maria de Lurdes Rodrigues - uma "festa".

Esperemos que ela tenha a convicção de Gaspar e pelo menos uma fracção da sua competência.

Falaremos com saudade de Gaspar. A própria imprensa o fará um dia destes.

Obrigado por ter dado alguma esperança de que o país se podia tornar num lugar salubre.
Obrigado Vitor Gaspar.