Lavados em lágrimas

Começo a ficar francamente farto de ver constantemente colocar a miséria num prato da balança e a necessidade de ajustamento no outro.

Em primeiro lugar sempre houve miséria. Não é de hoje. Aliás, hoje há muito menos miséria que há 20 anos atrás e muitos dos arautos dos pobrezinhos nunca se ralaram em tempos de abundância com os sem abrigo ou com os que tinham de depender da solidariedade alheira para sobreviver.

Eu andei na escola com gente verdadeiramente pobre. Miúdos que tinham de usar roupa e sapatos dados por alguém para poderem andar vestidos e calçados.

Gente vinda de agregados familiares com baixos rendimentos, com pais com baixas qualificações.

Podemos constatar que há cada vez mais casos de necessidade. Isso é inquestionável. Mas não nos podemos esquecer que durante anos se preferiu viver com "chapa ganha, chapa gasta" sem qualquer almofada para um dia difícil. Mais recentemente ainda se começou a viver com o que se iria ganhar no futuro.

Enquanto que uns o fizeram e foram vítimas de uma fatalidade (doença, acidente, morte na família) outros simplesmente cederam à loucura de ter tudo e mais alguma coisa empenhando-se completamente para o fazer. Muitos vêm-se hoje numa situação de enorme dificuldade sem ter havido mais contributo do que o seu próprio para estar nessa situação. São merecedores de pena e solidariedade? Claro que sim. Mas muito menos do que aqueles que apesar de não serem financeiramente suicidas viram as suas vidas dar uma volta por motivos inesperados lançando-os na indigência.

É por isso que instituições como o Banco Alimentar são tão importantes. O BA não começou há um ano. Já tem de atender às necessidades de milhares de famílias desde o dia em que foi criado. Já há dezenas de anos as instituições não governamentais têm de acautelar a subsistência de muitos de forma mais ou menos silenciosa e invisível.

Mas hoje, não há jornalista nem político que não fale na miséria. Nunca tinham aberto a boca. Nunca tinham ligado a um pobre. Mas agora subitamente as suas consciências iluminaram-se e começaram a ver que há pobres. Vêm-nos porque há mais, mas falam disso porque convém.

As razões do empobrecimento são claras. A catástrofe económica e financeira que assola  nosso país lança milhares no desemprego. A necessidade de pagar as dívidas contraídas em nosso nome tira-nos uma parte do rendimento que tanta falta nos faz.
Notem que a maioria da dívida que temos de pagar agora foi contraída antes de 2011. Não se pode responsabilizar este governo por ela. Pode responsabilizar-se sim por querer pagá-la mas por nada mais.

Assim quando se aponta o dedo a estes governantes por estarem a causar miséria é como se devessem em alternativa deixar de pagar a dívida que os antecessores foram contraindo. Para comprar votos, para roubar.

Parte-se-me o coração quando vejo alguém passar necessidades quando ainda há bem pouco tempo conseguia ter uma vida digna.

Mas não me passaria pela cabeça usar essas tristes circunstâncias como uma arma política. Se esta gente está tão preocupada com estes casos ajudem a atenuá-los.

Contribuam para que os mais fragilizados não sofram. Em vez disso muitos destes bem falantes chegaram a falar no boicote ao Banco Alimentar por causa das declarações de Isabel Jonet. Louça chamou-lhe "caridadezinha".

Não se percebe como se pode constatar um aumento da pobreza e ao mesmo tempo atacar uma das organizações que mais faz para a mitigar.

Usar isto como uma arma de arremesso política, como se a pobreza e a fome fossem uma coisa de hoje é ser um demagogo. Sempre existiu, sempre existirá (infelizmente) e são quase sempre os que não falam disso que fazem mais para ajudar quem caiu nessas situações.

Em vez de conversa, ajam.