O "inútil"
Existe uma tendência neste país para avaliar as coisas da forma mais superficial possível.
Não é raro ouvirmos coisas como "tem o perfil", "comunica bem" ou "tem boa imagem".
Estas têm sido as linhas de orientação da nossa política (e não só) nos últimos 30-35 anos.
Talvez por isso as escolhas resultem quase sempre num descida inexorável aos infernos. Fala-se muito de meritocracia mas a verdade é que o mérito tem muito pouco a ver com a forma como são escolhidas ou avaliadas as pessoas e o seu trabalho.
Este país de faz de conta fez com que a nossa sociedade dê valor a coisas que são tudo menos a substância. São apenas a "casca".
Para os que julgam que isto é só um problema na política desenganem-se. O sector privado viveu e vive há anos a cultivar esta forma de fazer as coisas. Há um chorrilho de incompetentes em lugares cimeiros nas organizações cuja única preocupação é obter o maior número de vantagens para si e passar a responsabilidade das asneira aos outros.
Esta cultura do "faz de conta" veio para ficar. Mesmo perante os resultados catastróficos dessa opção ainda temos pessoas a fazer apreciações sobre outras baseadas em "impressões", "perfil" e disparates semelhantes. Muito raramente a competência técnica á chamada à discussão.
Marcelo declarava hoje que Gaspar devia ser demitido porque passou de útil a inútil neste Governo. Provavelmente como Teixeira dos Santos passou de ser útil aos propósitos de Sócrates e passou a ser maldito quando a troyka chegou a Portugal. Quase parecia que a culpa era unicamente dele.
Marcelo alinha pelo mesmo diapasão e segundo ele Gaspar começou por ser útil por causa da sua imagem internacional. Hoje deixou de o ser porque lembrou que os juros da dívida e porque o faseamento do pagamento da mesma causava picos altamente prejudiciais em 2 anos do seu prazo.
Segundo ele o PSD e o CDS assinaram o memorando e Catroga "até disse" que tinham conseguido uma série de melhorias que de outro lado não teriam sido obtidas.
Quanto aos juros não duvido que houvesse pouco a fazer mas quanto a expressar a opinião acerca dos detalhes técnicos do acordo não creio que isso o possa tornar inútil para o Governo. A não ser por questões de "comunicação".
Marcelo parece estar mais preocupado com a "imagem" e a comunicação do que com a competência de Gaspar, tido por muitos como o melhor ministro das Finanças desde o 25 de Abril. Tanto mais que foi o que apanhou o pais no pior estado possível desde essa altura.
Conseguir recuperar a confiança dos nossos credores e ao mesmo tempo conter o despilfarro de dinheiro não é uma proeza pequena. É tão somente uma proeza que nenhum conseguiu antes, o que diz bem da qualidade do ministro.
Claro que num cenário assim a retracção do país é inevitável. Porque existem efeitos colaterais e porque o "sentimento" das pessoas não é o melhor. O que não quer dizer que o que Gaspar fez não seja indispensável e bem feito.
Para Marcelo parece que basta um qualquer para ministro, uma vez que a questão da competência é menos relevante do que a questão de imagem e comunicação.
E isto é bem revelador da forma como Marcelo e outros dentro do PSD ( e desconto os que estão fora porque estão sempre do contra e pretendem o poder a todo o custo) olham para a política e para a gestão de um país. Manter as hostes contentinhas e garantir com gestos eleitoralistas um clime conducente à vitória nas eleições seguintes.
O facto de o país estar falido é para eles irrelevante e um obstáculo intransponível nas eleições. Que é a única preocupação desta gente. O país que se f***. Não podemos é desagradar a quem tem o poder de criticar e criar ruído de fundo.
O estado do país não é alheio à forma de pensar de pessoas como Marcelo. E nem sequer é alheio à sua actuação como político.
Hoje também Pacheco Pereira usava o seu espaço televisivo para dissecar um discurso de Passos Coelho para concluir que ia haver despedimentos na função pública.
O espaço televisivo de incontáveis personagens da nossa vida política tornou-se numa forma de acertar contas a coberto do comentário ou do pendor mais ou menos "cultural" desses espaços.
Mas se olharmos bem, com atenção, a inutilidade dos personagens em apreço torna-se perfeitamente evidente.
Não contribuem para a solução do problema, apenas o agravam. Parecem aqueles tipos ridículos nas reuniões de condomínio ou nas reuniões de pais que se acham sempre mais espertos e passam a vida a comportar-se como aquilo que são. Uns empata fo*** inúteis e absolutamente irritantes.