A austeridade e a fadiga
Mas é curioso que quando o Estado desbaratava dinheiro e a maior parte olhava para o lado, ninguém se cansou.
É mesmo muito interessante perceber que quando (e isto desde há uma boa vintena de anos) se assistiam a todas as loucuras com os dinheiros públicos, ninguém reclamava. Ou porque pensavam que era para sempre ou porque secretamente esperavam que fosse.
Afinal o gasto de dinheiros públicos aproveitou a muito boa gente.
Ainda me lembro que a primeira vez que Ferreira Leite disse que o TGV se criasse emprego era para os naturais de Cabo Verde, caíram-lhe em cima porque estava a ser racista.
Esta ideia de que o Governo pode "fomentar" a economia desbaratando dinheiro era algo de que muito poucos se queixaram. E os que se queixaram, como foi o caso de MFL perdiam as eleições.
O português está-se nas tintas para a contenção. Primeiro porque ele próprio acredita que o dinheiro do Estado não vem de lado nenhum. Aparece...
E em segundo lugar porque espera secretamente que "pingue" alguma coisa para o seu lado.
E assim andamos todos felizes e contentes a viver do dinheiro do Estado durante décadas. As rendas abusivas nas PPP's e no sector da energia são apenas uma variante do que o Estado fez durante anos.
Com as PPP's e os contratos feitos por débeis mentais também noutros sectores foram a forma encontrada para desorçamentar despesa e fazer uns "favores" à economia.
Chegado o ponto de ruptura os mesmos portugueses que se aproveitaram da situação deram-se conta de que no fim são eles a pagar. E não gostam. E porque têm direitos, e porque perdem a confiança e por mais um sem fim de razões.
Nunca se ralaram que o seu alheamento podia muito bem por em causa todas essas coisas.
E pedem que acabe. Como se por magia passasse a haver dinheiro no dia em que acaba a austeridade.
Habituado a viver anos a fio contando com rendimentos futuros, comprando casas e carros que já estavam velhos antes de estar pagos, o português meteu na cabeça nestes últimos dez anos que era mais vantajoso viver a crédito do que poupar para ter as coisas.
De tal forma era assim que a banca dava juros miseráveis pela poupança e até o Estado tornou os certificados de aforro numa coisa sem interesse, baixando a sua taxa de remuneração para algo de irrisório.
E o português já não tendo dinheiro para isso, empenhando-se a 5, 10 ou 30 anos.
O Estado fazia exactamente o mesmo. Chamava-lhe "engenharia financeira".
Como que por um passe de mágica muitos dos portugueses, e em particular alguma da classe política, pensa que se mudarmos de ministro ou de Governo, as coisas mudam.
A Troyka já é benevolente, ou eles já lhes podem falar grosso. Ou se calhar até deixamos de precisar deles.
Pura ilusão. Nem eles ficam mais benevolentes nem nós temos como sustentar o país sem o dinheirito que vaio caindo todos os trimestres.
Na eventualidade de um José Seguro alguma vez vir a ser primeiro ministro, entrará para uma daquelas reuniões armado em leão e vai acabar a sair de fininho. É o que acontece a um país que se pôs a jeito pela mão do seu amado camarada. Que não foi nem pouco mais ou menos o único. Mas que foi aquele que levou as coisa para lá do limite isso ninguém duvida. Talvez ninguém seja um bocado forçado, mas pelo menos ninguém com dois dedos de testa.
O que nos distingue de um alemão ou de um qualquer outro europeu do Norte e a nossa absoluta falta de controlo. Que contrasta com a sua frugalidade inata.
O Tuga gosta de dar nas vistas. Esfregar na cara do amigo ou do vizinho a sua nova máquina ou as suas férias exóticas. Sem ter onde cair morto, note-se.
Os nórdicos, mesmos os ricos ou quase ricos, são normalmente frugais e reservados. Não gostam de sobressair.
Conheço um par deles que são verdadeiramente ricos e de olhar para eles ninguém diria. A única coisa que poderia denunciar um deles é o seu relógio. Não é um Rolex não senhor... Só alguém que conhece percebe o valor do que ele traz no pulso. Fora isso, passaria por uma pessoa perfeitamente normal.
Um tipo com aqueles meios em Portugal andaria de carro de altíssima gama e faria o maior espalhafato possível para ser notado.
A eles, do norte, desagrada-lhes profundamente o nosso comportamento como país. Eles sim estão cansados de serem austeros e ver a forma como Portugal ou Espanha se têm comportado desde que entraram para a EU. Independentemente de terem exportado a valer para a Europa, o povo alemão detesta pensar na vidinha fácil que parecem achar que o nosso povo leva. E que de facto em grande medida levou.
Mesmo que mude o governo por cá, eles, os que nos emprestaram o dinheiro, não mudam. E depois de verem a forma como o país foi gerido durante este tempo, depois de verem o que fizemos com os fundos estruturais e com a dívida nos tempos do rating AAA nunca irão aceitar que voltemos à mesma vida. Muito menos com o dinheiro deles.
Portanto, para os cansados de austeridade, talvez seja melhor começarem a interiorizar que NUNCA voltaremos ao que éramos antes. Nem com Seguro nem com Passos nem com ninguém. E se quisermos voltar, é melhor que se preparem para voltar ao Escudo e sair da EU, porque a EU não quer penduras gastadores e ainda por cima rotos de mão estendida.
Já lhes chega ter de gramar as Roménias e afins para por as fábricas de automóveis.
Não seremos um país sério sem gente séria à frente. E convenhamos que do alinhamento actual de candidatos não há um que mereça sequer ser confundido com uma pessoa séria.
Discursos de vendedor de feira ou de comuna alienado a espumar da boca.
Imaginem o FMI a entregar o dinheiro a gente assim.