A chantagem

Mário Soares não está bem. Definitivamente a idade não perdoa.

Mas a demência que começa a ser mais ou menos aparente trouxe-lhe o dom de despejar da boca para fora tudo o que lhe vai na cabeça. Sem filtros e sem nenhuma noção de que ao dizer certas coisas se retrata a ele próprio.

Quando afirma no i que quando Portas começou a ponderar a sua presença no Governo foi chantageado com o caso dos submarinos e dos Pandur, o que Soares afirma implicitamente é que esse pode ser um dos modus operandi da política. Talvez o seu, não me estranharia nada.

Tenta ligar o facto ao ressurgimento mediático do caso dos submarinos.

Não há um caso de compra de material de guerra neste país que não esteja envolto em suspeitas. As contrapartidas nunca são cumpridas, a adequação do material comprado às necessidades do país é altamente discutível e os dossiers passam de governo para Governo num estado quase sempre calamitoso.

Mas até agora Portas já esteve debaixo de fogo por causa destas duas questões um sem número de vezes. É estranho que questões que já foram coladas ao nome dele e que nunca singraram em nenhuma investigação pudessem agora ser usadas como chantagem. Logo agora e pelo PSD.
É no mínimo pouco plausível.

O que é constante é uma tentativa de encontrar clivagens na coligação. Começaram com o rlato de zangas nos conselhos de ministros até à questão da aplicação de taxas nas pensões, acabando agora nesta teoria da chantagem.
A insistência em encontrar estas divergências é como se ao referi-las isso se tornasse realidade e o governo caísse.
O tom vai aumentando na medida em que a esquerda vai percebendo que Cavaco não o vai fazer cair o Governo e que de uma forma ou de outra o governo parece manter a coesão. Mesmo com divergência em questões chave.
O desespero por um novo Governo tem feito com que nos últimos meses se tente encontrar um sem fim de sinais e de motivos para uma queda iminente a partir de dentro da coligação.
À falta de explicação, Soares avança com a chantagem. O que diga-se é algo que acredito perfeitamente que ele fosse capaz de fazer. Já nos habituou à "fina política" e Às manobras de bastidores mais sujas de que há memória.

A verdade é que apesar de tudo o Governo não parece muito apostado em demitir-se e o Presidente da República não parece ser um adepto de "chicotadas psicológicas". O que no caso nem se lhe pode levar a mal se tivermos em conta que dum cenário eleitoral poderíamos ficar numa situação como a de Itália: sem qualquer definição e com um governo coxo apoiado pela esquerda que é contra a Troyka a tentar implementar medidas impostas pelo Memorando. Aos olhos de todos isso é uma situação impossível e totalmente desaconselhável no momento presente.

Claro que para o cidadão que passa a vida a pedir a demissão do Governo isso nem é algo que o preocupe. O português gosta mesmo é de mudar nem que seja para pior. Nem tem a consciência de que esse tipo de opções podem significar ainda mais sofrimento para um país em maus lençóis.

A explicação mais plausível para a permanência de Portas e o CDS na coligação do Governo talvez seja a profunda crença de que esta é a última oportunidade para evitar a implosão económica do país. Talvez seja a convicção, partilhada por muitos, de que com o PS no governo apoiado por "forças de esquerda" entraríamos de novo num caminho de ruína em troca de "sensibilidade" e "emprego e crescimento".
Um político que se preze, com ideias e com convicção e algum respeito (para não dizer amor) pelo país, não pode ver com bons olhos um grupo de incompetentes, antes responsáveis pela mais miserável banca rota que alguma vez enfrentamos, voltar a ter uma oportunidade de destruir aquilo que se conseguiu com tanto sacrifício ao longo destes 2 anos.
Essa pode ser a motivação de Portas, Cavaco e Passos. E já que falamos nisso é também a minha esperança. Que o PS não tenha hipótese de voltar tão cedo ao poder com a sua triste figurinha de Secretário Geral apoiado por grupos absolutamente utópicos e apostados em repetir ad nauseam os erros épicos do "socialismo".

Como se esta perspectiva não bastasse como "chantagem" para manter apoio ao Governo.

E uma coisa é aquilo que se ouve e lê na imprensa e outra muito diferente é o que se constata na realidade.

Ouve-se muito do sofrimento de grandes faixas da população que está a viver á beira da miséria e depois sai-se à rua e veêm-se os centros comerciais cheios, os concertos a esgotar meses antes, ou bichas de carros na estrada quando há uma oportunidade com bom tempo.
Existe de facto muito gente a passar dificuldades. O desemprego é fatal neste particular. Mas o país está muito longe de ser um espaço de maltrapilhos. A actividade económica abrandou consideravelmente mas há muito boa gente que sai à rua gritar apenas porque é arregimentada pelo partido da sua simpatia e fá-lo não por estar no limiar da sobrevivência mas porque vê a sua folga financeira diminuir um pouco ao fim do mês.
E ninguém gosta de mudar de hábitos. Depois de anos a não ter de se preocupar com contenção ou com fazer opções sensatas, mudar de comportamentos custa. Mas uma coisa é custar e outra é ser impossível.
Uma coisa é estar desempregado e em pânico e a outra é ter-se reformado aos 50 com uma pensão integral e confortável e vir para a rua berrar porque podem perder um pouco numa pensão confortável de um par de milhares. Ou como é muito usual ouvir, estar na rua a lutar "pelos filhos e pelos netos". 
Estranha forma de ver as coisas quando os filhos ou os netos não vão ter nenhuma oportunidade de ter uma pensão semelhante e muito menos poder gozar de antecipações e reformas por inteiro.
Os direitos "adquiridos" de que tanto falam podem ser a razão primeira para que outros não tenham direito a nada. E porque fizeram descontos e porque só estão a reaver o que pagaram etc etc. E os que trabalham hoje estão a fazer descontos para quê? Não é de certeza para garantir os seus próprios direitos mas sim para garantir os direitos que esta gente não se cansa de proclamar.

O que vemos de contestação não é mais nem menos do que aquilo a que se assiste sempre que se quer mudar alguma coisa. É impossível mudar o que quer que seja neste país sem ter resistência de todos os lados. O problema é que algumas das mudanças começaram a incomodar alguns poderosos que saltam prontamente para as TV's, travestidos de comentadores isentos a protestar quanto à forma e conteúdo de tudo o que o Governo faz.
Soares, Capuchos, Marques Mendes, Constanças Cunha e Sá, Pacheco Pereira, metade dos paineleiros do Jornal da Noite da SIC Notícias etc etc.
Em 24 horas de TV que uma pessoa consegue consumir, uma ENORME parte disso não é mais que um desfilar de críticas ao Governo, manifestações pela queda do Governo ou conversa de sindicalistas apocalípticos.
A cereja em cima do bolo e sempre Soares. A senilidade aliada à irresistível atracção que os media têm pelo belo horrível fazem com que a sua presença seja constante. E vai aumentando o nível. Começa por declarações trauliteiras, esquecendo-se que fez exactamente e disse exactamente o mesmo quando esteve no poder, até culminar em declarações como estas. Em que não só declara que Passos é um chantagista como insinua que Portas aceita a chantagem porque será culpado destes "crimes".
Já passa da hora desta sanguessuga do regime se calar. Já não tem nada para dar à política e francamente o país já lhe deu demais. Muito mais do que ele alguma vez mereceu.