A carta de Gaspar

(...) Aceitei então por causa da situação dramática para a qual a país seria arrastado se essas tarefas não fossem realizadas.
O sétimo exame regular esta oficialmente concluído. A extensão dos prazos dos empréstimos oficiais europeus esta formalmente confirmada. O orçamento retificativo esta aprovado. As condições de financiamento do Tesouro e da economia portuguesa melhoraram significativamente. O investimento poderá recuperar com base na confiança dos empreendedores. A minha saída é agora, permito-me repetir, inadiável.
Relembro que apenas após a Conselho de Ministros extraordinário de 12 de maio recebi um mandato claro do Governo que permitisse a conclusão do sétimo exame regular (o que ocorreu imediatamente a seguir, a 13 de maio).
(..)
Senhor Primeiro Ministro
Numa carta de demissão e imperativo refletir sobretudo sobre as próprias limitações e responsabilidades. O incumprimento dos limites originais do programa para o défice e a dívida, em 2012 e 2013, foi determinado par uma queda muito substancial da procura interna e par uma alteração na sua composição que provocaram uma forte quebra nas receitas tributarias. A repetição destes desvios minou a minha credibilidade enquanto a Ministro das Finanças. Os grandes custos de ajustamento são, em larga medida, incontornáveis, dada a profundidade e persistência dos desequilíbrios, estruturais e institucionais, que determinaram a crise orçamental e financeira. No entanto, o nível de desemprego e de desemprego jovem são muito graves. Requerem uma resposta efetiva e urgente a nível europeu e nacional. Pela nossa parte exigem a rápida transição para uma nova fase do ajustamento: a fase do investimento! Esta evolução exige credibilidade e confiança.
Contributos que, infelizmente, não me encontro em condições de assegurar.
O sucesso do programa de ajustamento exige que cada um assuma as suas responsabilidades. Não tenho, pois, alternativa senão assumir plenamente as responsabilidades que me cabem.

Senhor Primeiro Ministro,
Liderança é, por vezes, definida como sabedoria e coragem combinadas com desinteresse próprio, A liderança assim exercida visa os superiores interesses nacionais que perduram de geração em geração. Fácil de dizer, difícil de assegurar, em particular quando as condições são de profunda crise: orçamental, financeira, economia, social e política, Sendo certo que contará sempre com a inteligência, coragem e determinação dos portugueses, cabe-lhe o fardo da liderança. Assegurar as condições internas de concretização do ajustamento são uma parte deste fardo. Garantir a continuidade da credibilidade externa do pais também. Os riscos e desafios dos próximos tempos são enormes. Exigem a coesão do Governo. É minha firme convicção que a minha saída contribuirá para reforçar a sua liderança e a coesão da equipa governativa. Pela minha parte, resta-me agradecer o enorme e inestimável apoio que me prestou nestes dois anos de excelente cooperação.
 Esta é a parte significativa da carta de demissão de Vitor Gaspar. Depois das barbaridades que já ouvi acerca do seu teor voltei a lê-la. Não consigo encontrar nesta carta o vaticínio do falhanço futuro ou a sua constatação no passado. Nem o de Gaspar nem o do ajustamento. Aliás, há mesmo um resumo das "conquistas" do processo que vão desde a extensão dos prazos à situação  de financiamento do Tesouro. Não me parece que se possa inferir desse pequeno resumo qualquer sentimento de falhanço. Consigo sim detectar uma constatação de missão cumprida.

Mais abaixo Gaspar fala na sua credibilidade afectada "O incumprimento dos limites originais do programa para o défice e a dívida, em 2012 e 2013, foi determinado par uma queda muito substancial da procura interna e par uma alteração na sua composição que provocaram uma forte quebra nas receitas tributarias. A repetição destes desvios minou a minha credibilidade enquanto a Ministro das Finanças."

Mais adiante Gaspar refere uma nova fase e a sua dificuldade de a por em prática pela sua falta de credibilidade (que segundo a minha opinião é sobre avaliada e serve como argumento para deixar um cargo que lhe deve ter feito séria mossa) "Pela nossa parte exigem a rápida transição para uma nova fase do ajustamento: a fase do investimento! Esta evolução exige credibilidade e confiança.
Contributos que, infelizmente, não me encontro em condições de assegurar.


Não consigo vislumbrar neste texto nenhuma  admissão de erros clamorosos. Vejo sim referidas as consequências inevitáveis de um plano destes.

Há muita gente a comentar a carta de Gaspar que não a deve ter lido. Ou provavelmente já não se lembra do que leu. A carta não é extensa pelo que creio que muitos dos comentários só podem resultar de desconhecimento do seu teor ou de pura má fé, tentando encontrar nas palavras simples de Gaspar toda uma série de significados escondidos que a carta não tem. Pura e simplesmente não tem.

A não ser que se ouça da boca de Gaspar o que lhe ia na alma quando a escreveu, é impossível retirar muito sumo duma carta de 2 páginas.
E Gaspar ao ser quem é e ter a contenção que o caracteriza nunca o fará.

Fazem-se interpretações completamente abusivas das razões da saída de Gaspar. Talvez seja esse ambiente insalubre que rodeia o poder que levou Gaspar a mandar tudo para trás das costas.
Quem o pode censurar? Ninguém. Quem faria melhor do que ele? Ninguém. Talvez por isso o censurem.