As pequenas diferenças

Daniel Oliveira, simpaticamente, já me tinha avisado que me ia criticar por um texto que escrevi. Não me vou deter na sua extensa argumentação em defesa dos conflitos políticos e demonização dos compromissos. Apenas me detenho nesta sua frase que resume toda a nossa discordância: "a política é, como a vida, o território do conflito. A democracia apenas cria as condições para que ele seja resolvido. Com cedências, claro. Com diálogo, muitas vezes. Com negociações, sempre que necessário..."
Saliento que o próprio Daniel destrói o seu argumento quando refere que pode haver negociações, se necessário. Presumo que ele as entende necessárias quando o conflito chega a um impasse ou quando nenhum dos contendores tem condições (financeiras, físicas, anímicas ou outras) para continuar o conflito. Pois bem, desde logo, defendo que este é um desses momentos.
Poderia ficar por aqui, mas interessa-me ir mais fundo: a política "é como a vida, o território do conflito? A vida é o território do conflito?" É por isso que se justifica a democracia?
Pois bem, caro Daniel, na minha visão a vida é a arte do compromisso, porque ninguém tem toda a razão, toda a verdade ou toda a justiça. Porque é preciso colocarmo-nos na posição dos outros, afastar-nos de nós para nos vermos a nós próprios. A democracia, meu caro, é - citando a conhecidíssima boutade de Churchill "o pior dos regimes excetuando todos os outros", ou seja a forma menos má de sermos dominados, porque é a forma de conciliarmos visões diferentes. E onde as conciliamos? No Parlamento e nos órgãos democráticos, onde tendencialmente estão representadas todas as visões.
 A política democrática não deve ser impositiva, mas inclusiva. O problema é que partidos não totalmente democráticos (porque preferem o jogo da rua ao jogo dos votos e o conflito à conciliação) muitas vezes não se querem incluir. Mas mesmo assim, a democracia, por ser inclusiva, concede-lhes os mesmos direitos. E é por isso (mas esta parte Daniel deve concordar) que para aferir a qualidade de uma democracia interessa também conhecer os direitos concedidos às minorias. Mesmo que - como ambos sabemos - essas minorias não concedessem (na verdade não tenham concedido, nos locais onde estiveram no poder) um centésimo dos direitos de que gozam.
O território do conflito, caro Daniel, é quando falha a política. O que defendes, radica no prussianismo de Von Clausewitz que considerava a guerra não mais do que "a continuação da política por outros meios". Ou seja, a política, em si, era já a antecipação da guerra.
Por isso, na política se distinguem os humanistas, entre os quais me pretendo filiar, daqueles que  apelam a um constante conflito, seja de classes, seja de gerações, seja de géneros ou de outra coisa qualquer. Não suponho que os bons estejam separados dos maus e muito menos que estejam todos do mesmo lado. Embora as fotos neo-realistas a preto e branco sejam esteticamente interessantes, não me parecem representativas da complexidade do mundo. 
E assim, Daniel, deixo-te com o Vinicius: "A vida é a arte do encontro/ Embora haja tanto desencontro pela vida". Também não vais dizer que ele era um sonso a defender compromissos, pois não?
Quando se lê um texto destes é muito difícil não sentir alguma empatia com a forma de pensar e de escrever de Henrique Monteiro.
Ao mesmo tempo é muito difícil não detectar a profunda hiposricia de pessoas como Daniel Oliveira.

Pessoas para quem tudo é um "combate" e para quem o conceito de critica é sempre belicoso e não poucas vezes malcriado e intolerante.

A negação dos compromissos é precisamente o que fez com que Daniel Oliveira se afastasse do Bloco. Mas ao mesmo tempo afasta-se porque quer um compromisso com o PS.
A mesma pessoa que defende um compromisso com o PS para que o Bloco possa ser uma alternativa de poder é a pessoas que escreve isto:
Quem olha para estas divergências como um problema, e não como uma enorme vantagem, não se limita a não compreender a democracia. É, no essencial, antidemocrático.
E isto diz mais da forma de pensar de uma pessoaa do que qualquer afirmação sua em favor da amada democracia. Isto diz que para ele o compromisso é a imposição aos outros da sua visão. É o tipo de pessoa que nunca se quer encontrar a meio da ponte e que quer apenas evitar que o outro a atravesse.

Não tenho respeito por Daniel Oliveira. Não passa de um demagogo bem falante que aprendeu a esconder no seu discurso sofisticado as suas verdadeiras intenções.
Duma forma geral não tenho respeito por gente que acha que deve impor a sua visão do mundo aos outros porque acredita estar imbuída de uma legitimidade quase divina.
Coloco-os na mesma categoria em que coloco os cristãos radicais americanos ou os católicos da era negra da Igreja ou na qual coloco os talibans.

Qualquer dos exemplos de regimes que estas pessoas defendem  silenciou as minorias e oprimiu as maiorias. E fê-lo de forma absolutamente brutal.
Quando confrontados com isto e incapazes de negar as evidências, passam à justificação dos actos numa espécie de necessidade divina de assegurar o bem dos outros. Daqueles que dizem defender e que paradoxalmente acabam por ser os mais oprimidos e silenciados.

Todo o discurso comunista, do qual Daniel Oliveira é apenas mais um produtor, se caracteriza pela mentira constante. Gozam da tolerância dos regimes democráticos. Tolerância essa da qual se isentam por um "bem maior" quando conseguem tomar o poder.
A democracia tem-lhes permitido manifestar-se e levar a cabo acções de todos os tipos que nunca tolerariam a ninguém. Porque, para eles, a oposição às suas ideias está errada de forma absoluta. Porque eles são a encarnação do bem e da justiça.

Não acredito que sejam burros e não entendam isto. Acredito sim que ao ser inteligentes acreditam que a melhor forma de aceder ao poder é através da pressão ilegítima e da manipulação dos outros para atingir os seus fins.
Partidos com uma representação espúria na sociedade portuguesa têm acesso a um tempo mediático completamente desproporcional. Usam os media de forma a criar uma sensação de instabilidade generalizada imparável.
Mas são apenas gente com sede de poder. De um poder absoluto sem contestação e sem tolerância.

Não é por acaso que a sua faixa de simpatia se encontra em jovens, dados a radicalismos com uma necessidade de mudar o mundo, e entre pessoas mais desfavorecidas e incultas, facilmente doutrináveis.
Ou outros, poucos, consideram-se uma elite pensante. Uma vanguarda de um movimento de massas perfeitamente habilitada a orientar e decidir os destinos de todos.

Mas, meus caros, tenho uma notícia para vocês. A vossa representatividade é incipiente, mesmo numa altura em que se esperaria que pudessem capitalizar o descontentamento geral.
Infelizmente para vocês, estar descontente não significa apoiar a falta de liberdade e tolerância que os regimes que vos são caros sempre demonstraram. Não significa que os descontentes concordem com julgamentos populares, ocupações, propaganda falacciosa vomitada de forma constante.

Estar descontente não significa despojarmo-nos de ideais democráticos e defender a eliminação dos adversários. Estar descontente é apenas isso - estar descontente.

Talvez fosse altura de os partidos que tentam arrogar-se de ser representantes dos descontentes percebessem que afinal nunca poderão representar mais do que os seus simpatizantes. E esses, como sabemos, são uma minoria que tem a sorte de viver num regime democrático que os tolera e que lhes dá voz. Coisa que nunca fariam caso estivessem no poder.