Dois mortais encarpados e um flic flac à rectaguarda

Apesar de já ter visto muito, o mundo da política consegue sempre surpreender-me.

Ao mesmo tempo que encetou negociações com o PSD e o CDS, o PS começou a negociar com o Bloco de Esquerda.
E tão rápido como começou, acabou.

O PS parece sofrer de múltipla personalidade. Ou então de um cinismo sem paralelo.
Senão vejamos:
Ao mesmo tempo que inicia negociações com os partidos do Governo diz que vai votar a moção de censura proposta pelos verdes (melancias, para os amigos).
É a maneira mais espalhafatosa de dizer que qualquer negociação com estes partidos é impossível. E só o faz porque insiste na questão das eleições que julga poder ganhar sem problemas.
Mas uma coisa é ganhar as eleições e a outra é poder governar com essa vitória.

O PS apercebeu-se que os números não chegam. E numa jogada de tacticismo bacoco decide negociar com os partidos à sua esquerda para viabilizar um eventual governo saído de eleições.

Mas o PS arrasta consigo uma cruz gigantesca. O facto de ter sido o grande responsável e o negociador principal do Memorando de Entendimento com a Troyka.
Nele se comprometeu a cumprir determinadas metas orçamentais e a implementar medidas de corte estrutural de despesa do Estado. Em bom rigor não se comprometeu. Fê-lo porque sabia que nunca poderia ganhar eleições, deixando assim a batata quente para quem quer que viesse a seguir.
Toda a estratégia do PS desde esse dia tem sido distanciar-se o mais possível das medidas implementadas pelo Governo e que foram negociadas por si próprio.
As desculpas foram incontáveis. O "ir além da Troyka", o "emprego e crescimento" por "decreto", a submissão à vontade alemã etc etc.
Na verdade o PS tentou sempre fingir que nada tinha a ver com o assunto. Mais recentemente imputou mesmo a responsabilidade do acordo ao PSD e CDS pelo chumbo do famigerado PEC IV.
Acordo esse que, caso tivesse sido aprovado, teria causado efeitos em grande medida semelhantes ao MoU mas com o detalhe de provavelmente já irmos no PEC 25 por esta altura.

O PCP e o Bloco enveredaram pela via mais fácil. A crítica pura e simples e a rejeição completa do acordo e da sua necessidade. O PCP, que de repente um partido que invoca coisas como o patriotismo e a soberania após anos a defender a situação de satélite de uma grande potência, chama ao acordo "pacto de agressão".
Não deixa muito boas perspectivas para uma negociação com o PS que todos sabem estar indelevelmente ligado ao acordo não o podendo renegar na sua totalidade. Assim se fecha a porta do PCP a qualquer negociação com o PS.
O que de certa forma não é mau. Seria complicado conciliar a visão de um partido que apesar de tudo aceita as regras do jogo democrático com um que apenas adere a essas regras por uma questão de sobrevivência. São disso exemplo declarações constantes de membros do PCP negando a legitimidade eleitoral deste governo ou indo ainda mais longe pela mão dos seus deputados e defendendo (um tal Tiago) uma espécie de selvajaria confiscatória e homicida relativamente à "direita". Talvez fosse bom alguém lembrar ao dito deputadozeco que numa altura em que a maioria era realmente de esquerda, o PCP levou uma desanda a nível nacional e que muitos dos bravos lutadores choravam como meninas quando viam as populações enraivecidas transformar a suas sedes em escombros. Saber a história é fortemente aconselhável, não vá o caso repetir-se e o PCP dar-se mal com a brincadeira.
Mexe nas propriedade de um homem e ganhas um inimigo, seja ele de que cor política for.

O Bloco vive contorcendo-se com as suas tendências e sensibilidades. Não sabe se é maoista, trotskista ou outra coisa qualquer. Funciona como uma tertúlia de revolucionários que se sentam a debater os temas mais estéreis sem nunca lançarem mãos à obra.
Num acordo com o Bloco que pastas poderiam ser dadas a um partido assim? A quem dentro do partido? Como é que um partido como o bloco poderia conciliar a sua visão do mundo com o PS?
É que nem consegue com o PCP e são basicamente farinha do mesmo saco.

O PS na sua tentativa de inclusão destes dois partidos num eventual acordo "patriótico" deu-se mal. Já devia saber melhor com quem está a lidar. Uns são a velha escola de néscios doutrinados, imóveis e incapazes de olhar o mundo com olhos diferentes dos anos 30.
Os outros, intelectuais pomposos, radicais e algo confusos totalmente incapazes de gerir as suas vidas. Um partido que apesar da situação consegue perder votos de cada vez que se apresenta a eleições.
Liderados por um senhor cansado e uma menina histérica. Quando um partido tem como líder alguém que só consegue apresentar como currículo de uma vida o ter sido uma actriz medíocre diz bem da qualidade do alinhamento. Que espécie de ideias brilhantes e realizáveis pode produzir alguém assim?

No meio disto tudo fica um impasse bem chato. Ou o PS faz um acordo com os partidos do Governo e isso seria a sua destruição, ou fica sozinho. Mas grave mesmo é que Cavaco não disse o que iria fazer numa situação destas. Não pode simplesmente ficar sem fazer nada. Se o primeiro ministro não se demite não pode dissolver a AR, porque segundo ele isso só deverá ocorrer em 2014. Logo não pode avançar com um governo de iniciativa presidencial.
Cavaco fica entalado. O fecho das calças apanhou o que não devia. E é bem doloroso.

Se o PS ficar de fora e este governo continuar, conseguindo colher alguns dos frutos do ajustamento que já foi feito, Cavaco terá muita dificuldade em justificar a dissolução da AR um ano antes do tempo previsto para o fim da legislatura.
Ter anunciado uma dissolução a prazo para forçar o PS a comprometer-se foi a totdos os títulos uma borrada notável.

Vamos lá ver o que sai daqui. Mas a minha previsão é a de que não sai nada.
Tudo como antes Quartel General em Abrantes