Crise política arrasa imobiliário
A coisa talvez até esteja invertida.
Se formos ver bem, o imobiliário arrasou o país. E não o arrasou só por cá. A crise mundial teve origem no subprime (hipotecas de elevado risco) alavancado de forma desmesurada pelos agentes financeiros.
Em Portugal as coisas não andarão muito longe disto. O endividamento das famílias e o risco dos activos dos bancos se transformarem em passivo deve-se em enorme medida ao sector imobiliário.
O sector gozou de diversos anos de rédea solta. Construiu-se muito mais do que fazia falta. Desde habitação a escritórios a banca e o sector imobiliário, de mãos dadas, transformaram este país numa selva de betão.
Com a conivência da banca e das autarquias destruíram os centros das cidades ao construir em periferias de cidades pequenas deslocando as populações e deixando ao abandono os centros das cidades.
O planeamento urbano foi pensado para permitir a criação de habitação muito acima das necessidades da maior parte das cidades do nosso país.
Enquanto isso a banca emprestava dinheiro a toda a gente com a ideia peregrina de que o imobiliário só podia mesmo valorizar-se e que em caso de incumprimento teria na mão activos valorizados em relação ao seu preço de compra.
O endividamento da banca no exterior só por causa da "guerra" do crédito à habitação é de tal forma grave que levará anos a voltar à normalidade.
Isto alimentou milhares de empresas do sector que construíam mal e porcamente e vendiam a preços absurdos. Muitas delas fugindo ao fisco e propondo aos compradores negócios simulados. A tal situação em que o valor de escritura era muito mais baixo que o preço da casa comprada.
Portugal montou uma economia baseada no imobiliário. Com a bênção do sr. Cavaco, diga-se de passagem.
Eu diria que o sector teve mais de 10 anos para se encher de dinheiro. Mas não souberam quando deviam parar. E o resultado está à vista. Milhares de casas desocupadas, novas e caras, há mais de 5 ou 6 anos. Por todo o lado.
Com a estúpida ideia de que chegava para todos, as empresas de construção apareciam como cogumelos. Para subcontratar e ser subcontratadas.
Há edifícios de escritórios completamente vazios. Todos os dias passo em frente a um na segunda circular (Torres de Lisboa) que está para arrendar alguns pisos há uns bons 7 ou 8 anos.
Numa altura em que as empresas caem como moscas é de esperar que os espaços para escritórios sejam largamente excedentários. E são.
Os espaços comerciais vazios estão por todos os lados. Desde Lisboa ao Porto ou em qualquer cidade do país há espaços para lojas vazios que chegarão para mais de uma dezena de anos.
E para o caso dos responsáveis do sector ainda não terem reparado, não é esta crise que lhes causa problemas. Foi a sua fussanga sem fim que lhes causou problemas a eles e a todo o país por arrasto.
Uma elevadíssima percentagem de desempregados neste país vem do sector da construção. Se calhar porque o sector desatou a construir como se fôssemos um país de 20 ou 30 milhões de habitantes. Sem qualquer planeamento nem qualquer preocupação com o futuro.
O sector da construção é um dos que é gerido por estúpidos gananciosos do mais alto nível, porque construiram tanto que vai haver casas para vender durante mais de uma década.
A ponto de causarem a sua própria ruína. Isto não diz muito da inteligência dos envolvidos.
O que é que querem agora que a percentagem de portugueses que podem fazer um crédito para habitação se reduziu de forma drástica?
Ainda por cima, se forem espertos, vão esperar que as casas baixem um bocado mais para poder fazer um bom negócio.
Falam agora de reabilitação. Mas para vender a quem? Para alugar a quem? E a que preços?
O país que tinha vivido bem com metade do que se construiu entre 1995 e 2005. Já tiveram a oportunidade de reabilitar património edificado de qualidade que está agora a cair e que não tem hipótese de recuperação a não ser enterrando fortunas. O que torna completamente inviável a obra pelos valor absurdo que uma casa acaba por custar ou pela renda que tem de ser cobrada para pagar a reabilitação.
Preferiram construir novo em terrenos agrícolas com o seu estatuto alterado à pressa para urbano (o que deu milhões a "espertos" bem colocados nas autarquias) porque dava mais dinheiro e não tinham de se ralar em fazer projectos complicados e ter em atenção ao pré existente.
Dizer que é a crise política dos últimos dias que está a causar problemas é o mesmo que dizer que é o descongelamento das calotes polares que está a causar o aquecimento global.
É mais uma burrice de alguém que pertence a um sector que é conhecido por causar problemas de uma escala incomensurável por todo o mundo.
Eu propunha que o título da notícia fosse : Imobiliário arrasa o país.
Seria muita mais verdadeiro e muito mais factual. Foi e é a fonte da maior parte da corrupção em que vivemos mergulhados. O sector devia mesmo chamar-se "sector da corrupção imobiliária" para que todos soubéssemos do que se está a falar.
Vão chorar para a puta que os pariu.
Ponham as casas a preços decentes para as conseguir vender ou retirem-se do mercado e vivam dos lucros fabulosos que fizeram durante mais de uma década.
Assim é a economia de mercado. Se as pessoas não podem comprar tem de haver alguém inteligente que pare de construir em vez de vir apelar ao governo que subsidie (através de vantagens fiscais) um sector que sempre que pôde se furtou às suas responsabilidades fiscais, e omnipresente em tudo o que é corrupção e fraude fiscal neste país.